Dançar ou morrer: o sírio que desafiou o Estado Islâmico

Ahmad Joudeh queria ser bailarino desde pequeno. Sofreu a oposição do pai e recebeu ameaças de morte. Ao DN diz que dançar em Palmira foi a coisa mais perigosa e importante que fez
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Parece já um passado distante, mas, há pouco mais de um ano, Ahmad Joudeh estava em Damasco, a capital da Síria, onde dava aulas de ballet para sustentar e pagar as suas aulas de dança. Ao mesmo tempo, ensinava dança, à borla, a crianças órfãs e deficientes. Agora, vive em Amesterdão, estuda na academia de ballet da cidade e já se estreou pela Companhia Nacional de Bailado da Holanda.

Nascido e criado no campo de refugiados palestiniano de Yarmouk, em Damasco, Ahmad Joudeh teve desde muito novo o sonho de dançar, apesar da grande oposição de alguma da sua família, principalmente do pai. Quando tinha 17 anos, o pai expulsou-o de casa e divorciou-se da mãe, porque esta apoiava o sonho de Ahmad. Aliás, só recentemente é que os dois fizeram as pazes. "A minha vida era tão difícil, estava a tentar sobreviver a tudo na Síria. Eu vi dança [ballet] pela primeira vez quando tinha 8 anos, depois da minha atuação como cantor na festa de início da escola em Damasco", conta o jovem de 27 anos ao DN.

Entrou para a maior companhia de dança da Síria, a Enana Dance Theatre, em 2006, cinco anos antes do início da guerra civil que ainda assola o país, e por lá ficou até 2015. Entre 2009 e 2016 frequentou também o Instituto para as Artes Dramáticas em Damasco.

Mas foi em 2014 que o seu nome começou a ter projeção, ao participar na versão árabe do concurso So You Think You Can Dance (Achas que Sabes Dançar?), feita a partir do Líbano. Chegou à meia-final, mas disseram-lhe que nunca poderia ganhar, porque, como palestiniano, não tinha nacionalidade. Em compensação, de regresso a casa, foi convidado para fazer uma série de coreografias em festivais de dança.

Esta exposição mediática trouxe também ameaças de morte do Estado Islâmico, que lhe mandava recados a lembrar que dançar era punido com a morte. A resposta de Ahmad foi tatuar as palavras "dançar ou morrer" no seu pescoço.

Em agosto do ano passado, e com uma convocatória para cumprir três anos de serviço militar a impender sobre si, tudo mudou para este jovem. Um jornalista holandês viajou até Damasco para fazer um documentário sobre a sua vida, chamado precisamente Dançar ou Morrer, que foi visto por milhões mundo fora. Nele, aparece a dançar nas ruínas do teatro de Palmira, onde meses antes o Estado Islâmico tinha levado a cabo execuções em massa. "Dançar em Palmira é a mais perigosa e mais importante coisa que já fiz na minha vida porque eu queria dançar no palco onde o Estado Islâmico executou pessoas. Eu queria dizer-lhes que aquele teatro era para a arte e não para matar pessoas, que eles nunca nos irão assustar, senti que estava a lutar para manter a dança viva no meu país", lembra ao DN.

Um dos espectadores do documentário foi Ted Brandsen, diretor da Companhia Nacional de Bailado da Holanda, que não descansou até ter Ahmad Joudeh a dançar para si, tendo criado para isso um fundo ao qual chamou Dançar pela Paz. Esse encontro tornou-se uma realidade a 15 de outubro de 2016, data em que o jovem chegou a Amesterdão. "Foi uma grande diferença, senti um choque cultural durante uns cinco meses, mas desde então estou a tentar construir uma nova casa para mim", diz Ahmad. "A minha vida agora ainda é difícil porque tornei-me uma figura pública, mas pelo menos estou seguro."

Conta que fala com a família regularmente pelo WhatsApp (aplicação de mensagens e videochamadas), "dependendo de haver ou não eletricidade em Damasco". "Quanto ao futuro não sei, mas o meu maior sonho é voltar para a Síria e criar o Ballet Nacional da Síria. Depois da guerra acabar temos todos de regressar e reconstruir o nosso país, estamos temporariamente na Europa a tentar aprender como reconstruir a nossa nova sociedade depois da guerra", afirma ao DN.

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