Da tese ao último texto, um livro para reler Paquete de Oliveira
Professor no ISCTE por mais de três décadas, o sociólogo Paquete de Oliveira nunca editou um livro que reunisse a sua obra. Comunicação e Quotidiano, lançado hoje, vem suprir essa ausência. Chega às livrarias no dia em que o autor faria 81 anos. A organização e seleção é de Gustavo Cardoso, professor, amigo e companheiro de trabalho no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
No verão de 2016, Gustavo Cardoso decidiu empreender esta tarefa de compilar em livro os textos do "professor", como sempre lhe chamou. José Manuel Paquete de Oliveira morreu a 11 de junho de 2016 deixando uma obra escrita vasta e dispersa. Memórias tão-pouco quis escrever. "Não fosse o horror que tenho a autobiografias, já a teria escrito", escreveu o próprio apresentando-se como provedor do Público, cargo que desempenhou entre dezembro de 2013 e junho de 2016.
O livro ficou pronto para 20 de outubro, o dia escolhido para o apresentar, numa cerimónia pública, hoje, às 17.30, na instituição em que deu aulas, o ISCTE. "Achámos que esta era a data correta", diz Gustavo Cardoso. Uma data simbólica para lançar o livro de alguém cuja vida foi de "renascimentos sucessivos". "Fisicamente, morre-se uma única vez; socialmente, podemos morrer e nascer várias vezes", disse também Paquete de Oliveira nessa nota ao Público.
Nascido no Funchal em 1936, Paquete de Oliveira foi padre, jornalista, chefe de redação do Jornal da Madeira (com 23 anos) e investigador académico a partir dos anos 70. Licenciou-se em 1973, em Ciências Sociais, ramo Sociologia, na Universidade Gregoriana, em Roma, e foi professor do ISCTE.
A tese de doutoramento Formas de "Censura Oculta" na Imprensa Escrita em Portugal no Pós-25 de Abril (1974-1987), de 1988, é o texto que abre o livro. Um texto fundamental, segundo Gustavo Cardoso, "sobre os mecanismos da comunicação, a falta de meios e as perceções erradas da realidade...".
"Não era possível falarmos hoje sobre o que aconteceu aos media no período da crise, sem o trabalho que ele fez nos anos 70, em que os jornais pertenciam a bancos e estavam dependentes do sistema financeiro", refere Gustavo Cardoso, sobre Paquete de Oliveira.
"É um contributo para as gerações futuras e uma oportunidade para rever as ideias dele", considera. E se a amizade foi a alavanca que pôs Comunicação e Quotidiano em marcha, é a investigação e reflexão de Paquete de Oliveira que é vertida nas cerca de 500 páginas da obra. "Aqueles que querem conhecer a história política nos media vão ler o livro." "Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa tira tantas selfies e tira tanto partido da rede de pessoas que conhece, Paquete de Oliveira começa a explicar a partir dos anos 80", defende Gustavo Cardoso, presidente do Obercom - Observatório da Comunicação. "Mesmo as fake news é um assunto que ele estuda nos anos 80." "É um livro para todos os que questionam porque é que os meios de comunicação precisam de provedores", acrescenta. Paquete de Oliveira, dos primeiros a estudar o jornalismo e os jornalistas, exerceu estas funções no jornal Público e também na RTP.
Uma comunicação inédita
Seis capítulos condensam os textos e intervenções de Paquete de Oliveira, entre 1983 e 2016. Alguns são quase desconhecidos. A questão não era saber que os textos existiam, era tê-los disponíveis, segundo Gustavo Cardoso. De alguns só existiam referências em bases de dados. "Foi quase um trabalho arqueológico", refere o investigador. A obra encontrava-se dispersa por múltiplos locais - em Portugal, mas também no Brasil, Espanha, França... - e publicações, algumas tão inesperadas como aquela que a UNESCO editou sobre as aldeias de Portugal "em que estuda as diferentes lógicas de comunicação", juntamente com António Firmino da Costa e Joaquim Pais de Brito. Outro, inesperado, chegou pela mão de uma colega da universidade. Era sobre a Madeira.
O último texto, em jeito de posfácio, resulta de uma sugestão de Adelino Gomes, outro amigo de Paquete de Oliveira. Foi ele quem recordou a Gustavo Cardoso a intervenção do professor de Sociologia a 3 de março de 2016, na Associação de Estudos de Comunicação e Jornalismo. Chamou-lhe Os Media e o poder político: Comportamentos do Media nas últimas eleições legislativas e presidenciais.
Editado pela Tinta-da-China, em parceria com a reitoria do ISCTE/ /SUL e a colaboração da sua biblioteca, Comunicação e Quotidiano procura ser "o mais parecido com o livro que ele poderia escrever", pretendeu Gustavo Cardoso. Com a dedicatória que Paquete de Oliveira faria. À mulher, Céu Neves (jornalista do Diário de Notícias), e aos dois filhos. Mesmo a nota biográfica, salienta, "é feita o mais possível pela mão dele".
Três currículos de "três momentos em que foi juntando e tirando coisas" - aquele que entrega com a tese de doutoramento, no início dos anos 80, quando passa a professor associado do ISCTE e o terceiro que está disponível na Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (ARES) - serviram de guia à seleção de Gustavo Cardoso. Professor associado do ISCTE, Paquete de Oliveira jubilou-se em 2006, tornando-se professor emérito.
Gustavo Cardoso, que conheceu Paquete de Oliveira quando foi eleito para o conselho diretivo do ISCTE e partilhava com Paquete de Oliveira a paixão pelo Sporting, descreve--se como "organizador dos textos" neste projeto e admite, também ele, descobertas. "Nem todos fomos alunos dele e só depois de ler a tese percebi como a sua visão da comunicação me influenciou."
Na apresentação do livro, hoje, entre as 17.30 e as 19.30, Gustavo Cardoso modera uma conversa entre os jornalistas Adelino Gomes, Vicente Jorge Silva e Sofia Branco (presidente do Sindicato dos Jornalistas).