Dá que pensar...

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Dois dias antes do 25 de Abril, uma sondagem do semanário Expresso - que acabou por passar despercebida precisamente por causa da polémica à volta dos desfiles do Dia da Liberdade e que, nesse dia, foi abafada pelo notável discurso do Presidente - merece reflexão mais demorada e profunda.

Os números são o que são e podem sempre ser lidos de duas formas: ou escolhemos o copo meio cheio ou o copo meio vazio.

Mas, na verdade, os números são absolutos e servem, no caso das sondagens e dos estudos de opinião, para medir o pulso aos cidadãos.

Neste caso, as questões foram sobre a democracia e de que forma sentimos que o regime nos tem em conta, nos escuta e nos representa.

Comecemos pelos números mais altos - 72% dos inquiridos "discordam totalmente" ou "discordam"da afirmação de que "o Estado é gerido de forma a beneficiar todas as pessoas". A ideia de uma maioria de quase três quartos é que a coisa pública não se guia pelo interesse dos cidadãos mas de corporações. Que as decisões não são tomadas em função de quem vota, mas de quem decide ou tem poder para influenciar quem decide.

Dá que pensar.

Mas ainda é maior o número daqueles que pensam que "a maioria dos políticos" não está preocupada com aquilo que as pessoas pensam". 74% dos contribuintes "discordam em parte" ou "discordam totalmente".

Três em cada quatro portugueses consideram que "os políticos" estão longe, distantes, fora da realidade quotidiana, distraídos dos verdadeiros anseios dos eleitores.

Dá que pensar.

O melhor número deste estudo, apesar de tudo, ainda é o que avalia a democracia no seu todo. Quase 60% dos inquiridos acreditam que Portugal tem uma "democracia plena" ou apenas com "pequenos defeitos". Mas se a maioria (ainda) é confortável, torna-se preocupante se olharmos para o outro número - 40% não têm dúvidas em afirmar que a democracia tem "muitos defeitos" ou, pior, nem sequer é uma democracia.

Dá que pensar.

A primeira reação será a de encolher os ombros. "As sondagens valem o que valem", costumam dizer os políticos, quando instados a comentar os números dos estudos de opinião. Nada mais errado. As sondagens indicam tendências, revelam vontades, exprimem "sentimentos" ou estados de alma que devem ser tidos em conta. É uma forma de medir o pulso à sociedade, sem ser em eleições. São dados que podem ajudar a entender comportamentos. E a alterar algumas decisões.

Se estes números forem levados a sério, como indicadores que são, toda a classe política devia aproveitar para fazer uma reflexão. De como quem vota se sente longe de quem decide; da forma como os cidadãos olham para os seus mais altos dirigentes. E, finalmente, no perigo que corremos se a perceção se inverter e, em breve, sejam em maior número os que acham que a democracia "tem muitos defeitos" ou nem sequer é "uma democracia".

Há partidos a trabalhar nesta causa, a de que o regime precisa de ser refundado e que a democracia não responde aos "problemas reais".

E, tal como acontece em todos os atos eleitorais, em que se condena a abstenção elevada mas pouco se faz para a combater, se continuarmos a encolher os ombros e a dizer que "as sondagens valem o que valem", se não percebermos o que estamos a fazer à democracia que ainda estamos a construir, mais tarde ou mais cedo, numa "qualquer" sondagem, vamos perceber que a maioria já não acredita "nesta" democracia.

E depois?

Dá que pensar.

Jornalista

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