Da linguagem não discriminatória

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Fez notícia a Diretiva sobre a Utilização de Linguagem não Discriminatória, enviada pelo secretário-geral do Ministério da Defesa Nacional aos chefes de gabinete dos chefes de Estado-Maior-General das Forças Armadas (FA) e de cada ramo. O ofício que acompanha o documento é de 18 de setembro, terá chegado aos destinatários na semana de 21, mas só a 30 ouvi falar dele, na comunicação social e nos perfis da Associação de Oficiais das FA e da Associação Nacional de Sargentos. Tratando-se de matéria tão sensível como o comportamento linguístico e de um público-alvo tão particular, seria de esperar que o ofício e o documento anexo fossem irrepreensíveis, inatacáveis, mas estão longe de o ser.

Antes de mais, é infeliz que o documento, com 17 páginas, se intitule "DIRETIVA - ORIENTAÇÃO - LINGUAGEM NÃO DISCRIMINATÓRIA". Chamar a um documento, simultaneamente, "diretiva" e "orientação" é um contrassenso, visto que uma diretiva é vinculativa, mas uma orientação não o é. Do que se trata é de fornecer indicações para a redação de documentos oficiais, escritos, que não sejam discriminatórios em termos de género. Porque não ter-lhe chamado apenas "orientação", ou melhor "vade-mécum" ou "livro/guia de estilo"? Também é incompreensível que, num documento deste tipo, se misturem a "comunicação escrita" (quatro páginas de 12), a "comunicação oral" (dois pequenos parágrafos) e a "comunicação visual" (quatro páginas de imagens com apenas três parágrafos de texto). Quando fala em "comunicação visual", o documento refere-se às imagens que ilustram os textos escritos e, portanto, é de comunicação escrita que fala; e ao falar de "comunicação oral", o documento deixa de se ocupar da comunicação formal, oficial, para dar exemplos de comunicação oral informal, que não cabem nele, provocando confusão.

Por fim, um documento visando melhorar a qualidade da comunicação escrita das FA teria de ostentar uma escrita irrepreensível, o que também não acontece - por exemplo, "[...] tendo sido acometida à Secretaria-Geral a responsabilidade pela Produção de diretiva". É em situações destas que o recurso ao conhecimento especializado de um linguista é mesmo essencial.
Confesso que não aprecio algumas formas de linguagem inclusiva, como os grupos nominais duplos (por exemplo, as senhoras professoras e os senhores professores), porque são redundantes e gramaticalmente muito confusos, desencadeando inúmeros problemas de concordância das frases e porque, acho, obstam a uma comunicação escorreita e eficiente. Mais do que pela linguagem, sinto-me discriminada por situações correntes no mundo do trabalho (por exemplo, quando mulheres são a maioria dos trabalhadores de uma instituição, mas a direção desta é sempre maioritaria ou totalmente composta por homens). Na comunicação formal, principalmente no desempenho de funções oficiais, uso linguagem inclusiva o mais correta e eficazmente possível. Entendo e sou obviamente sensível às razões que determinam o recurso a este tipo de recomendações pelas autoridades dos vários países.

É muito evidente o mal-estar que o documento causou entre os militares. É questionável a pertinência e a oportunidade desta diretiva. A redação do documento sobre redação não discriminatória, essa, também não ajudou.

Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

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