É um país difícil de imaginar. No longínquo século XVIII, o Portugal rural era ainda mais isolado, terrivelmente empobrecido. Quem vivia da lavoura habituava-se a não ter vícios - comedimento era um estilo de vida. Em Carreço, a norte de Viana do Castelo, vila que remonta ao século X, a vida da população era assim mesmo: parca em recursos, modesta nos hábitos. Foi aí que nasceu em 1793 a família Pires de Lima. A história é simples e prosaica. Dois lavradores de poucos recursos, Francisco Gonçalves Lima e Maria Pires, conheceram-se, apaixonaram-se e casaram-se. Não tinham estudos nem grande elevação intelectual, mas as novas gerações a que deram vida destacaram-se intelectualmente e marcaram a sociedade portuguesa. O primeiro a dar notas de distinção foi Fernando Pires de Lima, neto do casal de lavradores de Carreço. Tinha apenas onze anos, mas uma maturidade invulgar. Há muito que andava a matutar uma forma de fugir a um destino de pobreza no campo. Um dia, sem muitas justificações, fez as malas e disse aos pais que ia para o Porto estudar. Não tinha dinheiro no bolso nem apoios familiares, por isso assim que chegou empregou-se na construção civil, como auxiliar. Não estava a realizar um sonho de infância, mas aquela era a única forma que arranjou de custear as aulas particulares. Valeu a pena o esforço. Concluiu os estudos com distinção e mais tarde cursou no Instituto Industrial do Porto. Entretanto, mudou-se para Santo Tirso, onde se destacou de diversas formas: o seu nome ainda hoje é ostentado pela escola em que ensinou e pela respectiva rua em que se situa..Fernando Pires de Lima representa a primeira geração da família que virou as costas à vida do campo, mas todos os seus seis filhos seguiram-lhe as pisadas. Dois deles formaram-se em Medicina, outros tantos concluíram Direito, tendo sido um deles governador civil do Porto. As notabilidades dos Pires de Lima continuaram pela história fora. Fernando Andrade Pires de Lima foi ministro da Educação Nacional; Fernando de Castro Pires de Lima, médico e etnógrafo, destacou-se como membro da Academia das Ciência. Durante o Estado Novo, António Pedrosa Pires de Lima ocupou o cargo de director-geral da Adminis- tração Política e Civil. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra e colaborador próximo de Salazar, era um homem distinto, mas discreto. Pai de António Pires de Lima, antigo bastonário da Ordem dos Advogados, e avô de António Pires de Lima, deputado do CDS/PP, atravessou a conturbada fase do 25 de Abril sem os constrangimentos que outras figuras próximas do velho ditador sofreram na pele. "Jamais contestado por ocasião do 25 de Abril porque não tinha telhados de vidro", escreveu António Sequeira Cabral em Os Pires de Lima de Santo Tirso. Também formado em Direito, mas na Universidade de Lisboa, o seu filho homónimo foi bastonário da Ordem dos Advogados e é comendador da Ordem de Isabel, a Católica, de Espanha. O advogado que foi aluno de Marcelo Caetano na universidade escreveu uma carta a Adelino da Palma Carlos a seguir ao 25 de Abril para que ele não se esquecesse do professor. Mesmo hoje, o advogado assume publicamente o respeito que nutre pelo último líder do Estado Novo. .Para a nova geração, a máxima da excelência continua viva. Entre os mais novos Pires de Lima há advogados, políticos e até candidatos a políticos.