Da (in)competência como forma de arte
As alterações que o governo pretende fazer nos estatutos das várias ordens profissionais têm sido, da parte destas, objeto de significativas críticas e protestos.
Protestos que se referem à clara discordância perante algumas das propostas. O absurdo de se irem criar problemas onde eles neste momento não existem, introduzindo fatores de perturbação manifestamente desnecessários, como serão seguramente pessoas fora da profissão em órgãos especificamente técnicos, ou limitações e barreiras que ninguém sabe bem como irão ser ultrapassadas.
Situações que, sendo muito diferentes em cada uma das profissões e das respetivas ordens profissionais, porque as realidades de cada uma são também muito diferentes, vem introduzir fatores de instabilidade e a segura necessidade de futuros ajustamentos.
Tudo em nome de uma equidade e de maior justiça permitida pela liberalização das oportunidades de trabalho para cada uma das várias profissões, e, deduz-se, das inerentes vantagens que essa experiência alargada irá permitir a todos nós, humanos utentes.
O facto é que, por mais inevitável que seja a óbvia e desejável multidisciplinaridade com que diariamente nos confrontamos para responder a uma sociedade cada vez mais complexa, exige, por isso mesmo, a colaboração entre conhecimentos cada vez mais especializados. Será através dessas várias especializações, e na construção de um saber comum onde cada uma delas salvaguarde as especificidades dos atos próprios de cada profissão, que ele poderá e deverá ser construído.
Substituir, como agora se pretende, a clareza do que são os "atos próprios" de uma profissão, reflexo de uma formação e de uma prática profissional específica, pelo vago conceito de uma "competência" é o mesmo que esperar que a famosa figura do cozinheiro sueco dos Marretas, que alegremente deitava para dentro da panela todo o tipo de objetos, seja alguma vez capaz de fazer uma caldeirada que seja comestível.
Essa é justamente uma das propostas apresentada para a alteração dos estatutos da Ordem dos Arquitectos, e não creio que este seja um caminho que permita salvaguardar a sempre elogiada qualidade dos arquitetos portugueses e do seu trabalho.
Ex-presidente da Ordem dos Arquitectos