Da favela para Hollywood sem perder a genuidade
Este é um caso único. O músico brasileiro Seu Jorge chegou a Portugal no primeiro dia deste mês para uma série de concertos baseados num disco que ninguém por aqui conhece. América/Brasil é uma produção da sua própria editora, a Cafuné Gravadora, e os únicos 50 mil exemplares existentes foram vendidos à porta dos concertos que deu pelo Brasil.
O brasileiro explica que a sua intenção era dar o disco à saída dos shows mas, depois, temendo uma rebelião popular, optou por vendê-lo pelo preço simbólico de dez reais. Este é um disco "para ouvir no churrasco, no iPod, no computador, no rádio do carro", diz. "Não o fizemos a pensar no sucesso comercial nem nas vendas." A música é acima de tudo para partilhar.
E, no entanto, o sucesso tem sido estrondoso. Com lotações esgotadas nesta digressão portuguesa, o músico foi obrigado a marcar um concerto extra na Casa da Música e até já agendou mais uma apresentação para Lisboa. Depois da festa prometida para esta noite, no Coliseu, onde vai subir ao palco acompanhado por 19 músicos, decidiu encerrar a viagem com algo diferente: só voz e violão para uma plateia de apenas 150 pessoas, no Teatro Mundial.
E porque é que tanta gente quer ver este carioca de cabelos no ar? É que em palco, Seu Jorge entrega-se por inteiro, com uma genuidade rara e sem prestar muita atenção aos alinhamentos predefinidos. "O importante é ter prazer naquilo que fazemos", explica o homem que nasceu Jorge Mário da Silva, teve uma infância difícil, num bairro pobre do Rio de Janeiro, viu o irmão morrer numa briga de rua, foi borracheiro, marceneiro, moço de recados e funcionário de banco e chegou a morar na rua durante três anos. Passou fome e encontrou no violão o seu melhor amigo e também a sua salvação - foi com ele que começou a trabalhar no teatro, que por sua vez lhe abriu as portas para o cinema, até finalmente se tornar um músico reconhecido, tocando samba, rock, funk, uma mistura de tudo e ainda mais umas baladas ao lado de Ana Carolina.
Ele é mesmo caso único. Politicamente incorrecto, Seu Jorge é actor de Hollywood (entrou em Peixe Fora de Água, de Wes Anderson e vai aparecer em The Escapist, de Rupert Wyatt) e, ao mesmo tempo, gravou um disco totalmente dedicado à situação do trabalhador. América/Brasil conta histórias de trabalhadores - desde a rapariga que vai gastar todo o seu salário no shopping ao operário que passa fome porque não tem dinheiro. Ao mesmo tempo, está a realizar com a mulher um documentário sobre a situação do trabalhador brasileiro - com cenas filmadas em Portugal. "O Brasil é um dos países com o salário mínimo mais baixo do mundo", critica. "Os brasileiros vêm para Portugal com os seus sonhos, com expectativas, com dificuldades. Este problema não é só brasileiro é do mundo inteiro." Afinal, diz: "Eu também sou um trabalhador."|