Da crença ao desânimo, o jogo visto na bancada do café 'Piolho'
Não há, na Baixa do Porto, muitos cafés abertos para lá das 20.00, mas o Âncora d'Ouro, vulgo "Piolho", é garantido - e, além disso, tem tradição futebolística. Primeiro, no entanto, o DN espreitou uma alternativa: nada feito, que isto de transmitir jogos no canal público prende os adeptos "não praticantes" a casa.
Uma corridinha para emendar a mão, mas um imenso bruá ouvido na rua confirmou o pior e o melhor: fomos apanhados em contrapé pelo golo de Quaresma mas... foi golo de Quaresma! No "Piolho", finalmente, ainda deu para sentir a ressaca. Não a dos copos, essa ficava guardada para mais tarde, embora cervejas fossem o que não faltava nas mesas. Isso e animação, partilhada por homens e mulheres, na sua maioria jovens e, adivinhamos nós, estudantes, já que o local é deles a segunda casa.
"Comecem a dar pau!", mandava um, tipo receita para evitar a reanimação do Chelsea. Outro transmitia a sua fé: "Vamos ganhar esta m...!" O impropério, já se sabe, e mais ainda no Porto, é um pouco como o golo: o sal do futebol. E ontem, face aos nervos, a mão terá fugido um bocadito...
Repetição do golo, repetição (adivinhamos nós) dos festejos. Mas a intensidade crescia, ao ponto de haver ali quem já discutisse lançamentos de linha lateral como se estivesse em campo. "O Pepe está a fazer um jogo do c...", dizia para com os seus botões um rapaz pacato, logo interrompido por um modelo oposto: "Isto não dá para essas m...!" O reparo dirigia-se a Paulo Assunção, que enfeitara um lance com um toque de calcanhar.
Ballack falha a entrada a um cruzamento de Ashley Cole e, pelo efeito sonoro ali dentro, parecia estar a desencadear-se uma tortura colectiva. Mas ainda havia margem para apreciações técnicas ao adversário: "O futebol destes gajos é muito musculado, não é?" Uma entrada de Lucho sobre Essien, limpa, mas abrindo o pano para o teatro do ganês, não deu tempo à resposta. "E depois dizem que nós é que somos mergulhadores!"
Minutos mais tarde, o fel destilava-se sobre a mãe de Robben, culpada por este ter pedido ao árbitro um penalty inexistente. Viu-se uma imagem de Mourinho a afinar pelo mesmo diapasão e o público do "Piolho" foi coerente. Menos coerência mostrou a seguir, quando Pepe simulou uma falta de Ashley Cole. Aí, os risos predominaram. Enfim, os dois pesos e as duas medidas inevitáveis à saúde do futebol.
Intervalo, oportunidade para recobrar energias. Cerveja, sandes, cachorros, o que houvesse à mão. Foi bem maior, nesse pequeno quarto de hora, a interacção entre rapazes e raparigas - sintomático. De súbito, um "Olé, olá, força, Porto, olé" redesper- tou as atenções para a TV, onde os jogadores voltavam a aparecer, abertos à prova de fogo.
Pouco tempo volvido: "Que frango!" Helton comprometera as aspirações gerais. Vê-se um grande plano do guardião e há, ainda assim, palmas solidárias. Saltam depois as tác- ticas de mesa de café: "Mete o Adriano, ó nabo!" Jesualdo terá ouvido, só que de pouco adiantou. O entusiasmo também já não era o mesmo, como se um feeling antecipasse o que havia de vir no fim da linha.
Paciência, viveu-se uma noite de euforia. Só por isso, já valeu a pena.