A POLÉMICA tese Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques, de Almeida Fernandes (1917-2002), resultou de um estudo encomendado pela Associação Unidade Vimaranense para contrariar José Hermano Saraiva que, no seu Dicionário Enciclopédico de História de Portugal, aceitou a possibilidade de Afonso Henriques ter nascido em Coimbra, como fora defendido pelo medievalista Torquato de Sousa Soares. O historiador quebrou a tradição que tinha como verdade o nascimento do primeiro rei em Guimarães e Almeida Fernandes empenhou-se em procurar documentação credível que pudesse sustentar a tese do nascimento de Afonso Henriques naquela cidade. Fernandes concluiu que «no período de Julho a Agosto de 1109, data de nascimento de D. Afonso Henriques, a sua mãe residia em Viseu. Assim sendo, o primeiro rei português terá nascido nesta cidade e não em Guimarães ou Coimbra», como então se opinava..Em 1991, o historiador reforça a sua tese através de uma comunicação lida numa conferência promovida em Viseu pela Sociedade Histórica da Independência de Portugal. A imprensa escrita vimaranense reage mal e a polémica é reaberta com vários historiadores a tomarem como credível a tese do medievalista. José Mattoso, Bernardo Vasconcelos e Sousa (antigo director da Torre do Tombo), Maria Alegria Marques, João Silva e Sousa ou Henrique Barrilaro Ruas foram apenas alguns nomes que subscreveram a tese de Almeida Fernandes..«Durante estes 19 anos nunca ninguém contestou a tese com bases científicas», salienta António Coelho, editor da Fundação Mariana Seixas, que criou em 2004 um prémio de História Medieval Portuguesa com o nome do autor da tese e reeditou a obra. Ninguém contestou até ao ano passado quando surgiu o livro Afonso Henriques: um Rei Polémico, de Barroso da Fonte, que Coelho considera como «um contributo interessante para fazer os historiadores virem à liça debater o assunto». António Coelho admite que a biografia de Afonso Henriques, escrita por José Mattoso, que «manteve, durante mais de duas décadas um diferendo com Almeida Fernandes, reforçou» a tese do medievalista..MAS EM GUIMARÃES a cidade embalada pelas comemorações lembra que «onde falha a história prevalece a tradição, antiga de muitos séculos». A afirmação, divulgada pela direcção da Sociedade Martins Sarmento (SMS), é «suportada numa análise rigorosa das fontes históricas da época». A SMS considera que a tese defendida por Almeida Fernandes não passa de «uma história da carochinha com muita fabulação, falha de rigor e de fundamentação e sem sustentabilidade»..Aproveitando a convicção histórica dos académicos, o presidente da câmara viseense assumiu Viseu como cidade onde nasceu Afonso Henriques mas «sem polémicas com Guimarães». Diz Fernando Ruas que «se viessem académicos contraditar esta ideia, e dizer que afinal Almeida Fernandes estava equivocado – embora o que pareça é o inverso, porque cada vez há mais historiadores a defender a posição dele –, é evidente que também não alimentaríamos nenhuma polémica»..E assim fez: Viseu propôs comemorações conjuntas a que Guimarães disse não e Ruas reagiu no arranque das comemorações, em Março último. «Festejar o nascimento de D. Afonso Henriques na cidade de Viseu não impede, no entanto, que outras cidades comemorem a fundação da nacionalidade», lembrou o autarca. Para Ruas, «todas as cidades devem a D. Afonso Henriques a sua dignidade própria que é o que estamos a celebrar: com o nascimento do príncipe, a autonomia de cada uma e do futuro reino, ou seja, a independência de Portugal.» Apesar desta posição, Fernando Ruas, que sempre disse opor-se a qualquer «guerra de protagonismo» com Guimarães, deixa as conclusões para os «académicos». E agendou para Setembro um congresso internacional sobre o rei fundador. Até lá a polémica promete durar..D. Afonso e os mitos .por ANA PAGO.TINHA fama de ser alto, espadaúdo e suficientemente forte para manejar uma espada de cinco quilos contra os inimigos. Também era valente, influente e audaz – o seu maior feito foi alargar o território do Condado Portucalense à custa de leoneses e muçulmanos e ter sido o primeiro rei de Portugal – e durante anos a História afiançou que seria natural de Guimarães, filho do conde D. Henrique e de D. Teresa, e nascido algures em 1109. Tudo isso poderia o fundador da nação confirmar agora se não tivesse vivido há nove séculos. Isso, e se de facto terá nascido em Guimarães ou em Viseu, desmontando de uma vez por todas a polémica que continua a dividir os adeptos de uma e outra teoria..«A demonstração dos factos históricos é quase sempre hipotética, sobretudo quando eles se situam numa época tão remota como o século XII», sustenta o reputado historiador José Mattoso, lembrando a existência de um terceiro grupo de estudiosos que, em 1990, chegou a defender que o primeiro rei teria nascido em Coimbra, acendendo assim os ânimos dos eruditos vimaranenses que se escandalizaram com o que consideraram «um insulto à memória nacional e ao seu bairrismo»..A TESE de Guimarães fazia sentido na medida em que D. Henrique sucedia, por doação do rei Afonso VI de Leão e Castela, aos antigos condes de Portucale (descendentes do fundador de Guimarães) e, por sucessão, o mesmo aconteceria com o seu herdeiro, Afonso Henriques. Todavia, e após estudar a argumentação de Almeida Fernandes – a alcançar «verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário» –, o próprio José Mattoso ficou convencido e acarinhou a ideia de Viseu..De D. Afonso Henriques, apodado O Conquistador, pode dizer-se que tomou as rédeas do governo em 1128 depois de ter derrotado os fiéis da sua mãe na batalha de São Mamede, próximo de Guimarães. O jovem chefe tratou de consolidar a sua autoridade em sucessivas vitórias (nomeadamente na batalha de Ourique, travada em 1139), seguiu os passos de D. Teresa no sentido de conseguir a independência para o reino de Portugal e a dada altura optou por contrariar os desígnios da mãe de modo a não ferir a susceptibilidade dos nobres de Entre-Douro-e-Minho, que rejeitavam as amizades de Teresa com os nobres galegos. Em 1143, pelo Tratado de Zamora, Afonso VII de Leão admitiu-lhe finalmente o título de rei que usava e reconheceu a independência portuguesa, mas o fundador não mais se livrou da suspeita de bater na mãe – algo que o historiador Marsilio Cassotti garante à NS’ não ser verdade «sob nenhum ponto de vista», antes o resultado de ainda se pensar que «falar demasiado bem da figura de D. Teresa poderá desmerecer um pouco o papel de D. Afonso Henriques». Parece que já só falta mesmo clarificar o local onde este conquistador de polémicas nasceu.