Curar a(s) democracia(s) sem medo da participação das pessoas

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Podemos encarar a democracia como mecanismo de eleição - ou como sistema de governação que vive bem no pluralismo político e com a liberdade de expressão. Em qualquer caso, a democracia é uma construção notável das sociedades. Permite fazer escolhas individuais e coletivas em paz, mesmo com pessoas em conflito. Nela convivem anjos bons e maus da natureza humana. Por isso, nunca poderá ser perfeita. A democracia é representação quando elege; mas também é participação quando escolhe.

Não haja ilusões: por omissão ou ação dos atores políticos, as nossas democracias estão hoje doentes e frágeis e criam, todos os dias, condições para que os anjos maus regressem ao palco principal.
É fundamental agir, mas não fechando a democracia representativa em si própria - pois sempre que esta se distancia a participação baixa.

Nós, os atores da democracia local e de proximidade, sentimos bem estas dores. Neste tempo de pandemia de covid-19, como numa guerra, os governos devem construir as vitórias a partir do triunfo da resistência moral e mental dos cidadãos, o que implica garantir a participação política de cada um. Suspender mecanismos de participação só gera mais desconfiança.

Há um ano a revista The Economist elevou Portugal à categoria de "país totalmente democrático", retirando-o do clube das "democracias imperfeitas"
- ao qual acaba de regressar. Com uma pontuação de 7.90 em 10 possíveis, a democracia portuguesa situa-se agora no 26.º lugar mundial e no 15.º europeu. Esta classificação baseia-se em cinco variáveis, das quais destaco a "participação política" por ser aquela em que o país teve a nota mais baixa, 6.11.

Devemos olhar estes resultados como um incentivo para aprofundar a democracia participativa, um desígnio constitucional. Não tenho dúvidas de que o poder local, esfera política não considerada no estudo, tem sido o agente mais empenhado no cumprimento desta ambição.

Depois de se afirmarem como motor do desenvolvimento de Portugal, e de defesa das comunidades como é patente nesta pandemia, as autarquias têm-se distinguido como atores centrais na democratização da democracia. Têm experimentado mecanismos de participação cidadã, envolvendo as populações na definição de políticas setoriais, nos orçamentos participativos, na definição dos planos diretores municipais, entre outros.

É esta determinação que move a Rede de Autarquias Participativas, criada em 2014 e que conta com 60 membros, à qual tenho a honra de presidir. A Rede tem-se afirmado como plataforma para a partilha de experiências, a produção de conhecimento, a qualificação de equipas e a melhoria e disseminação dos processos de participação.

Desenganem-se os que pensam que a democracia é um processo de sentido único. Ela tem-se revelado frágil, com avanços e recuos, como mostra a The Economist: ela requer uma dedicação permanente. Podemos curar a(s) democracia(s)? Sim, se não tivermos medo da participação das pessoas, pois o melhor antídoto para prevenir as derivas autoritárias é alargar e intensificar as formas de participação. É por aqui que devemos ir. É por aqui que a democracia poderá tocar o coração das pessoas.

Presidente da Câmara Municipal de Valongo e presidente da Rede de Autarquias Participativas - Portugal Participa

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