Cúpula de calor. Centenas de mortos e recordes que ninguém inveja

Com o pico de calor, a povoação onde foi registado o novo máximo de temperatura no Canadá, durante três dias sucessivos, acabou consumida pelas chamas.
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As temperaturas no noroeste dos Estados Unidos e no oeste do Canadá atingiram níveis inéditos com as populações e a vida animal a lutar pela sobrevivência. O Canadá bateu o recorde de temperatura de todos os tempos na terça-feira, quando Lytton, na Colúmbia Britânica, atingiu os 49,6 graus Celsius, uma temperatura nunca antes registada, por exemplo, na América do Sul ou na Europa. Um dia depois, a localidade, tomada pelas chamas, foi evacuada.

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Muitos locais nos estados do Oregon e de Washington bateram recordes por grandes margens, em alguns casos em dois ou três dias consecutivos. Incluem Seattle, que disparou a 42,2 graus na segunda-feira e Portland, que atingiu os 46,6 graus.

Em resultado da onda de calor mortal as autoridades locais tomaram medidas como a abertura de centros com ar condicionado, fontes temporárias, e o encerramento de escolas, como aconteceu em Vancouver. Num "centro de arrefecimento" desta cidade canadiana, Peter Lohuaro, de 70 anos, mostra o seu espanto. "Já viajei para lugares quentes como o Vale da Morte [na Califórnia] e isto foi mais quente", disse à AFP. "Para as pessoas que vivem em apartamentos sem ar condicionado ou virados para sul, muitos tiveram de alugar quartos de hotel ou sofrer gravemente", notou.

Naquela região, como no noroeste norte-americano, muitos lares não têm ar condicionado. "Não tenho ar condicionado, apenas uma ventoinha em casa. Vim só para trabalhar onde está fresco", disse por sua vez Lou, que se mostrou "chocada com a quantidade de mortes que ocorreram". Desde o início da onda de calor, na sexta-feira da semana passada, até quarta-feira, foram registados mais 321 óbitos de forma súbita do que a média em igual número de dias, na Colúmbia Britânica, na qual Vancouver é a maior cidade.

O calor matou um número ainda indeterminado de pessoas, mas também de animais. O jornalista Tove Danovich, de Portland, conta numa crónica publicada no Washington Post que para as suas galinhas não terem o mesmo destino que as de conhecidos, teve de recolhê-las na casa de banho da cave, enquanto outros relataram acontecimentos raros como um guaxinim, animal de hábitos noturnos, a procurar água em pleno dia, ou uma apática cria de coiote ser salva com mangueiradas.

"O ar tem estado tão quente e seco que me dói a garganta ao respirar. Viver através de uma cúpula de calor é um pouco como viver dentro de um globo de neve, caso alguém o espetasse no forno", descreve o jornalista.

Um perigoso cocktail foi misturado, envolvendo massas de ar quente e cristas de alta pressão (os elementos centrais para criar a referida cúpula de calor), mas também ventos propícios, a altura do ano (perto do solstício, quando há mais tempo de luz solar) e uma situação de seca (mais de metade do noroeste dos EUA está nos graus mais elevados de seca). Ao que se juntam as alterações climáticas: nos últimos seis anos as temperaturas têm vindo a subir no verão, de forma constante, nos estados do Oregon e Washington. Globalmente, a década até 2019 foi a mais quente registada, e os cinco anos mais quentes ocorreram todos nos últimos cinco anos.

"Estou realmente a chorar. De vez em quando belisco-me para ter a certeza que não é um sonho, que está realmente a acontecer. Trinta anos a trabalhar nisto, nunca vi nada como esta loucura...", comentou o estatístico do clima Max Herrera no Twitter. "As pessoas na comunidade meteorológica - meteorologistas e climatologistas - estão todos a suster o fôlego, a olhar para os números. Eles são alarmantes", disse Terri Lang, meteorologista da Environment Canada.

"Este evento particular é completamente consistente com a ciência das alterações climáticas: ondas de calor mais intensas, de maior duração, calor mais extremo, a dar-se no princípio da estação", explica à AFP. "Temos vindo a assistir cada vez mais a este tipo de eventos climáticos extremos nos últimos anos. De forma realista, sabemos que esta onda de calor não será a última", comentou o primeiro-ministro Justin Trudeau.

Os portugueses, como os australianos e os californianos, bem sabem os efeitos de uma onda de calor na natureza. Graças às nuvens pirocúmulo-nimbo, resultantes de fenómenos extremos, a Colúmbia Britânica registou dezenas de milhares de relâmpagos entre 30 de junho e 1 de julho. Pelo menos alguns terão sido responsáveis por 62 fogos no espaço de 24 horas.

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Mais de mil pessoas tiveram de abandonar as casas, entre as quais a população de Lytton, um dia depois de ter estabelecido o recorde de temperatura no Canadá. "Nunca é demais sublinhar quão extremo é o risco de incêndio neste momento em quase todas as partes da Colúmbia Britânica", disse o chefe do executivo da província, John Horgan.

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