Ginástica sueca, jogos de xadrez com migas de pão e um aviãozinho feito de papel foram, imagine-se, as principais "armas" de Álvaro Cunhal para lutar contra o isolamento a que foi sujeito durante os anos em que esteve preso. Sem contar com a leitura - quando lhe era permitido receber livros -, a pintura e a escrita. Tal era o isolamento, que o histórico dirigente do PCP viu-se obrigado a jogar "consigo próprio" o jogo de xadrez, como conta o social-democrata Pacheco Pereira no terceiro volume da biografia de Cunhal, ontem lançado em Lisboa, sob o título "Álvaro Cunhal - uma biografia política - O prisioneiro"..Nesta edição, Pacheco Pereira passa para o papel a vida de Cunhal, do PCP e da oposição ao Estado Novo desde 1949 a 1960, falando de episódios como o julgamento e a prisão do histórico comunista, a purga aos intelectuais levada a cabo pelo PCP e a célebre fuga de Peniche. Dedica ainda um capítulo ao "furacão" Humberto Delgado e outro ao regime prisional a que Cunhal esteve sujeito durante 11 anos na penitenciária de Lisboa e, depois, em Peniche..A apresentação do livro - que decorreu no Estabelecimento Prisional de Lisboa, a que Cunhal chamou "a estrela de seis pontas" - ficou a cargo do cineasta Luís Filipe Rocha, que contactou de perto com o ex-líder comunista para preparar a seu filme sobre a fuga de Peniche. Luís Filipe Rocha contou que Cunhal lhe disse que "em nenhuma reunião da direcção do PCP foi dada ordem de matar militantes comunistas", tendo, contudo, admitido não poder "descartar que algum camarada mais exaltado tivesse decidido vingar-se". No livro, Pacheco fala das mortes de Manuel Domingues e de Manuel Lopes Vidal, ex-funcionários clandestinos do PCP..Baseando-se nas histórias no livro, Luís Filipe Rocha destacou um episódio que disse ser, para ele, "uma novidade como a lei exigia ao preso a abjuração política como contrapartida da não renovação da pena, Álvaro Cunhal foi "admitindo, em quatro declarações que fez, o abandono da actividade política" tentando desta forma contornar aquela exigência. Primeiro, comprometeu-se a fixar residência em Lisboa e a criar família. Depois, a exilar-se no México. Numa terceira declaração, afirmou que não iria participar em actividades contra o a segurança do Estado e, por fim, admitiu afastar-se de ligações de natureza política. Mas nunca se comprometeu, preto no branco, a abandonar a sua luta..Apesar de Pacheco Pereira continuar a afirmar que o seu livro conta também a história do PCP, os comunistas rejeitam tal interpretação. Aliás, o único histórico comunista presente na cerimónia, Jaime Serra (a quem o social-democrata agradeceu o contributo), frisou aos jornalistas que a biografia de Cunhal não é a história do PCP, porque não deixa de ser uma tentativa de contar a história através da "visão de um homem de direita". Pacheco não concorda "Eu queria contar a história do outro lado, não tinhamos uma verdadeira biografia da oposição ao regime...isto é, também a história do PCP", disse, classificando o partido "como o menos estalinista de todos", porque, na época, tinha a sua direcção no interior do País..Marques Mendes, líder do PSD, Lobo Xavier, do CDS/PP, e Jorge Coelho, do PS, foram dos poucos políticos que marcaram presença na cerimónia. "Por curiosidade", como disse Marques Mendes.