"Cunha é muito ambicioso, autoritário, arrogante e vingativo"

Foi Chico Alencar que pediu a perda de mandato do ex-presidente da Câmara dos Deputados. Membro do pequeno PSOL, depois de sair do PT, não está otimista quanto à regeneração do Congresso
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Quando protocolou o pedido que levou à perda de mandato de Cunha já esperava que o processo batesse um recorde e demorasse quase um ano?

Como Eduardo Cunha é o exemplo da política que, apesar da redemocratização, ainda é a mais disseminada do Brasil, do clientelismo, da troca de favores, da rede de cumplicidades entre políticos e entre políticos e poderosos, sabíamos que a batalha ia ser dura e duradoura. Ainda para mais sendo essa batalha protagonizada por dois partidos pequenos e jovens como o PSOL e o Rede, porque os grandes partidos eram todos mais ou menos aliados dele na altura.

Incluindo o PT?

Incluindo o PT. Não se esqueça de que ministros de Dilma, como Pepe Vargas ou Cid Gomes, caíram por pressão do Cunha. O governo era influenciado por ele. Influenciado e chantageado. Do PSDB nem se fala: como ele era útil à queda do governo, cortejava-o. No fundo, os grandes partidos durante quase todo este processo tiveram uma relação com Cunha de "morde e assopra", como dizemos aqui no Brasil.

A maioria dos deputados também tinham ligação ou relação com Cunha. Isso foi o mais duro?

Sim, já para não falar do corporativismo dos deputados que ele controlava. Por isso não me espanta que ele tenha caído a 13 de setembro de 2016, precisos 11 meses depois de a 13 de outubro termos protocolado o pedido. Mas como ele é um político muito ambicioso, muito autoritário, muito arrogante, muito vingativo e com muito desprezo pelos seus opositores, tudo isso acabou por encurtar a vida política dele. Ele dominou muitos deputados e por muito tempo e o poder absoluto corrompe absolutamente. Ninguém teve mais influência no impeachment da Dilma do que ele. Agora caiu na Câmara mas o poder judiciário é que primeiro o obrigou a sair da presidência do órgão, o que é uma vergonha para os deputados.

Eduardo Cunha caiu, de facto. Chegou a temer que antes da votação final ele obtivesse uma vitória ou, pelo menos, manobrasse para adiar a decisão?

Temi, temi. O penúltimo ato dele foi queixar-se ao Supremo Tribunal Federal, mas o último foi telefonar pessoalmente a mais de 400 deputados, pedindo misericórdia, pedindo clemência, dizendo que a eventual perda de mandato ia arrasar a família dele e por aí. Sabia que era improvável que ele se mantivesse, mas nunca dei a questão como impossível.

Pela sua experiência e com a autoridade de quem foi eleito seis vezes consecutivas pela imprensa como melhor deputado do país, acredita que a Câmara dos Deputados, aos poucos, está a regenerar-se?

Estou no quarto mandato como deputado federal e não estou muito otimista quanto a uma eventual renovação de deputados e de processos. No tempo do fundador da nossa Constituição, o Ulysses Guimarães, que era um liberal-conservador, não seriam permitidos alguns métodos que se veem agora desta chamada pequena política. Mas o Ulysses dizia, a propósito, que uma legislatura é sempre a pior possível até à próxima.

Saiu do PT após o escândalo da compra de deputados do mensalão. Arrepende-se, com dez anos de distância?

Não. Nós, os quatro que saímos do PT para o PSOL, costumamos dizer que não fomos nós que saímos do PT, foi o PT que saiu de nós. Não podemos negar que o PT teve um papel importante no Brasil, ao ter um mínimo de sensibilidade social que nunca havia existido num governo deste país, mas acabou aderindo às práticas políticas mais degeneradas. E sem jamais fazer uma autocrítica: nem na saída da Dilma entenderam que contribuíram mais do que ninguém para a própria tragédia. Nós aqui no PSOL não vemos a democracia como tática mas como fim. E como se tem visto, incluindo no caso do Cunha, agitamos um bocado!

em São Paulo

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