Cumprir o sonho de tocar com Dudamel

Oito músicos portugueses integram a Orquestra Juvenil Ibero-Americana, que se apresentará pela primeira vez, sob  direcção de Gustavo Dudamel, no próximo dia 1 de Dezembro. Um momento importante na carreira de Filipe Freitas, Ricardo Tapadinhas, Francisco Pampulha e David Ascensão.
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Uma sala pequena, paredes brancas, uma janela. Naquela sala de ensaio do edifício, ainda a cheirar a novo, da Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) não há nada, nada, nem sequer uma cadeira. Ricardo Tapadinhas passa ali horas, sozinho, abraçado ao seu contrabaixo de 1, 80 metros. "Aprendi a tocar de pé e é sempre assim que estudo. É cansativo mas eu prefiro."

Ricardo começou por tocar baixo eléctrico, como o pai, e por integrar grupos de garagem que interpretavam covers de grandes sucessos. Aos 18 anos pensou: "É agora ou nunca". Decidiu estudar música e apaixonou-se pelo contrabaixo. Já lá vão dez anos de dedicação e ainda não sabe quando irá parar de estudar. "Um músico nunca deixa de estudar", reconhece. Para evoluir são necessárias muitas horas. "Não é só a técnica, temos que ter intimidade com o instrumento, ter uma memória física e psicológica. Tudo isso é importante no momento de subir a um palco."

Ouvem-se os saxofones da sala ao lado, de vez em quando algum colega bate à porta. Ricardo ensaia seis horas por dia. Nas últimas semanas, dedicou-se sobretudo a três peças: O chapéu de três bicos de Manuel Falla, Margariteña de Inicente Carreño e a 5.ª Sinfonia de Tchaikovsky. Este é o programa dos primeiros concertos da Orquestra Juvenil Ibero-Americana e Ricardo não quer falhar. É preciso tocar bem por todos os motivos e mais um: impressionar o maestro Gustavo Dudamel.

Dudamel. O nome do maestro destacava-se naquele mail enviado em Maio a uma série de jovens músicos. A mensagem foi reenviada de uns para os outros. Falava da criação de uma orquestra ibero-americana, da reunião de músicos de vários países e da realização de concertos sob a direcção de Gustavo Dudamel. Dudamel. Pedia-se aos músicos para enviarem o seu currículo e para aguardarem resposta. Dudamel. Só por causa deste nome a caixa de correio de Pedro Saglimbeni Muñoz e Ana Beatriz Manzanilla, casal de músicos venezuelanos estabelecidos em Portugal e responsáveis pela selecção dos portugueses a integrar o projecto, ficou cheia. "Ele é o Cristiano Ronaldo dos maestros", afirma, entusiasmado Francisco Pampulha, violetista de 24 anos. "O principal motivo por que respondi ao mail foi mesmo o nome do maestro. Não sei se vou ter alguma vez outra oportunidade de trabalhar com ele."

Francisco foi um dos oito músicos portugueses escolhidos para integrar esta orquestra. Como ele, Paula Carneiro e David Ascensão (violino), Nuno Abreu (violoncelo), Ricardo Tapadinhas e André Carvalho (contrabaixo), Filipe Freitas (oboé) e João Pedro Santos (clarinete) também não escondem o entusiasmo por serem dirigidos pelo maestro venezuelano. Mesmo sabendo que Gustavo Dudamel só vai chegar quase no final do estágio a Pilla, perto de Sevilha, onde os ensaios já decorrem desde quinta-feira e se prolongam por duas semanas, coordenados por um outro maestro da Orquestra Simón Bolívar, Christian Vazquez, com a ajuda de mais onze professores. "Nem que fosse para tocar com ele só por uns minutos. Nem que fosse só para ele me ouvir já valeria a pena", corrobora Filipe Freitas, de 26 anos.

Dudamel. Ele foi a principal razão. Só depois estes músicos falam da oportunidade de ser membro-fundador de uma orquestra que se quer de qualidade e que "se tudo correr bem há de ser importante", como espera Ricardo Tapadinhas, de 28 anos. Só depois referem a enriquecedora experiência de trabalhar com músicos de grande qualidade vindos dos mais diversos países ibero-americanos. "É bom tocar com pessoas de culturas diferentes, aprendemos sempre alguma coisa", explica David Ascensão, de 25 anos. "E pode ser que depois de tocarmos em Portugal e em Espanha também possamos ir à América Latina."

Pedro Muñoz, membro da Orquestra Gulbenkian e professor de viola na ESML, explica que só foram escolhidos músicos de grande nível e que já tivessem prática orquestral. "Esta é uma experiência única para eles", garante. "Não só porque vão contactar com Dudamel mas também porque, no estágio de duas semanas, irão conhecer músicos muito bons de outros países e trabalhar segundo o sistema venezuelano."

Assim que souberam que tinham sido seleccionados, os oito músicos iniciaram, cada um à sua maneira, a sua preparação "Ninguém conhecia o tema do compositor venezuelano", revela Filipe que, para além das partituras, tratou logo de procurar na Internet uma maneira de ouvir a Margariteña. "Só é pena que não toquemos nenhum compositor português. Talvez para a próxima..."

De todos, David é o que parece mais descontraído. "Ainda não tive tempo para ensaiar", diz, a poucos dias de apanhar o avião. Talvez porque já tenha tido outras provas de fogo ao longo da sua curta carreira. Foi estudar para a Lituânia e logo à chegada apanhou com 27º negativos. "Os portugueses são muito acomodados. É importantíssimo estudar lá fora. A Lituânia é um país difícil mas aprendi muito", conta o violinista. Talvez porque já teve oportunidade de tocar com Gustavo Dudamel, quando há três anos o maestro dirigiu a Orquestra Gulbenkian. "É muito simpático e muito apaixonado pela música. É uma pessoa com quem dá gosto trabalhar", conta, sem revelar um entusiasmo por aí além. "Não digo que não seja importante para o currículo, mas mais importante do que o currículo é aquilo que fazemos em palco. Não é por tocar com ele que vou ter mais oportunidades. A verdade é esta."

Se foi Dudamel que os trouxe aqui, neste momento as expectativas vão muito para além disso. Todos querem ter oportunidade de mostrar que estão à altura do desafio, aproveitar para evoluir enquanto intérpretes, tornar o seu nome ainda mais conhecido - para que os convites continuem a aparecer. Nunca se sabe quem irão conhecer nestas duas semanas ou quem irá assistir aos concertos... "O sucesso não depende só de nós", aprendeu David. "Tem que se estar no momento certo com as pessoas certas."

O estágio divide-se em duas fases: uma semana em ensaios de naipes, uma semana a ensaiar em orquestra. Filipe, que também é professor e conhece bem a Orquestra Geração, projecto que transpõe para Portugal o espírito das orquestras juvenis venezuelanas, não tem dúvidas de que música pode ser a salvação de muitas crianças: "Para além do crescimento e da maturidade que a música implica, tocar numa orquestra é uma lição de colaboração, de humildade, de como devemos funcionar em sociedade."

"Lembro-me perfeitamente da primeira vez que entrei no ensaio de uma orquestra", conta Ricardo. "Aquele barulho dos instrumentos, aqueles sons, tudo era novo para mim. É sempre uma emoção muito grande sentir que somos uma parte daquele todo que é uma orquestra. Ainda hoje."

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