Cultura e cidadania
Na próxima semana, Lisboa acolhe diversas iniciativas que a transformarão numa capital da cultura ibero-americana. Além da presença de 20 ministros da região, decorrerá o VIII Congresso Ibero-americano de Cultura (15-17 de novembro) e ainda uma reunião promovida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre Indústrias Culturais e Criativas, terminando com a Noite da Literatura Ibero-americana, que pela primeira vez se realiza.
Este congresso é a primeira grande iniciativa da comunidade ibero-americana depois da Conferência Mundial da UNESCO que teve como tema Políticas Culturais e o Desenvolvimento Sustentável, realizada no México em setembro de 2022 (40 anos depois do MONDIACULT de 1982 também no México), e cuja Declaração Final apela a uma ação concertada em domínios transversais como a Diversidade Cultural, os Direitos Culturais, a Ação Climática, a Economia Criativa ou a Transformação Digital.
Em 2006, os chefes de Estado e de Governo ibero-americanos aprovaram uma Carta Cultural que reconhece a diversidade cultural como principal traço identitário e sublinha que não se trata de uma simples soma de diferentes culturas, mas de "um sistema cultural integrado, caracterizado por uma dinâmica entre unidade e diferença, o que constitui um poderoso fator de capacidade criativa". Não é por acaso que a comunidade ibero-americana e, em particular a América Latina, tem estado na linha da frente de propostas essenciais como a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, aprovada no âmbito da UNESCO em 2002. Além de assumir os direitos culturais como parte dos Direitos Humanos, acrescenta um princípio fundamental: "Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os Direitos Humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar o seu alcance." Poderíamos dizer, plagiando Fernando Pessoa, que estas declarações são papéis pintados, mas continuam a ser estruturantes de uma ação conjunta que pode (talvez) fazer a diferença. Nessa declaração subscrita pelos Estados-membros que integram a UNESCO, como também na Carta Cultural Ibero-Americana, afirma-se a cultura como fator de desenvolvimento. E, no entanto, ela não foi incluída como um dos 17 objetivos da Agenda Global que prosseguimos até 2030.
O mais relevante contributo do último MONDIACULT está na afirmação da Cultura como bem público global (tal como a Educação, a Saúde, o acesso à água). Não se trata de um exagero, visto que a Cultura é claramente um fator de desenvolvimento e sustentabilidade, como será debatido em Lisboa.
No programa do VIII Congresso, que tem como lema Cultura, Cidadania e Cooperação, teremos especialistas, académicos, artistas, gestores culturais, responsáveis de políticas públicas e de organismos privados, que apresentarão as suas reflexões e práticas em domínios como Cultura e Ambiente, Cultura e Saúde, Cultura e Economia, Cultura Digital ou a transformação dos Territórios. Parte-se dos desafios que se colocam à Cultura na construção da cidadania para concluir com o seu contributo para a construção da paz.
O grande objetivo deste encontro é colocar a Cultura no centro das políticas públicas de forma a integrar a agenda global. Trata-se de partilhar exemplos da sua capacidade de contribuir para o crescimento económico, a transformação dos territórios, a coesão social e constituir-se como espaço de diálogo, cooperação e descoberta criativa.
A experiência de participar na organização deste congresso e dos diferentes eventos que marcarão a próxima semana permitiu a riqueza da colaboração entre distintas entidades que trabalharam de forma conjunta e solidária para fazer acontecer. O último congresso presencial decorreu na Costa Rica em 2014, a que se seguiu o VII Congresso, inteiramente virtual, realizado a partir do México em 2020. A realização deste VIII Congresso em Portugal, lugar de triangulação entre a Europa, a América Latina e África, é também uma forma de promover a cooperação e o diálogo, afirmando uma outra centralidade, que é reconhecida e de que podemos aproveitar como país.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos - OEI