Cultivando a 'Quinta...'
A Nação está em crise, mas o país rala-se pouco. Tem a Quinta das Celebridades noite sim, noite sim. Há razões para fixar a atenção nas desventuras íntimas dos famosos. Em primeiro lugar, ninguém fala de outra coisa. Depois, porque a institucionalização do reality show, como género televisivo, diz muito sobre a sociedade onde vivemos. No sentido em que estes programas definem, por si sós, como mudam as fronteiras entre o público e o privado.
Em primeiro lugar, todos sabemos que aquelas pessoas não são realmente célebres. Passam por sítios onde há fotógrafos de revistas que precisam de inventar um jet set para sobreviverem. Não importa que seja um jet set a fingir, basta que sirva para reforçar a ideia de que os ricos são infelizes e que na pobreza é que está a virtude. Nada de inovador, é uma matriz das novelas.
Quinta das Celebridades resulta por dois motivos. Desde logo por ser um programa muito bem produzido e pensado. Em quatro anos passou-se da idade do choque e da violência (o pontapé do Marco) à era do reality show como entretenimento familiar. Depois, por ter um tema central que não é o sexo, mas os preconceitos sobre a sexualidade. O enfoque é dado a um personagem que tem um comportamento desviante, o nosso famoso conde. Mas este é enquadrado e interage com duas figuras masculinas que representam o padrão oposto. O interessante, assim, não é o que o programa apresenta como desvio mas o que propõe como norma. Ou sejam, Pedro Reis, o tipo comum, empático e, sobretudo, Alexandre Frota. A Quinta das Celebridades deu a um actor pornográfico o estatuto de role model. Um dos paradoxos do programa é ter um núcleo central formado por personagens masculinos e não por mulheres.
Num reality show o que conta são as aparências. Mostrar sexo não é interessante, mas sugerir que se vai mostrar é. A força, do ponto de vista das audiências, vem da sugestão de que algo de imprevisível possa acontecer, mesmo que tudo seja filtrado. Mas é indiferente que aquilo que se passa na quinta seja real ou ficção. Os espectadores entendem claramente que é ficção com personagens reais. E todas as tentativas de desmontar a quinta como fraude reforçam o seu poder.
Assim neste Outono somos dominados por pessoas vulgares que fazem de conta que são famosas e servem de mote a um jogo de voyeurismo onde o pobre se sente remediado por não ser rico e onde as elites sublimam a influência perdida no tecido social assumindo-se como espectadores interessados da Quinta das Celebridades.