Os cubanos celebram hoje o 62.º aniversário da revolução liderada de Fidel Castro, no mesmo dia em que se preparam para acabar com mais um legado do falecido "comandante": a dupla moeda. O peso conversível (CUC), equiparado ao dólar e igual a 25 pesos cubanos (CUP), foi criado em 1994 para responder à crise provocada pela queda da União Soviética (que era a principal aliada de Cuba) e à necessidade de abertura da economia da ilha ao exterior. Mas desde 2013 que se dizia que tinha os dias contados. Agora, 26 anos depois de lhes chegar às carteiras, os cubanos começam a dizer-lhe adeus - têm seis meses para as últimas trocas.."Considera-se que estão criadas as condições que permitem anunciar o início desta tarefa a partir de 1 de janeiro de 2021 com uma taxa de câmbio única de 24 pesos cubanos por um dólar", disse o presidente Miguel Díaz-Canel a 10 de dezembro, quando anunciou a data do esperado "dia zero". Numa intervenção ao lado do ex-presidente e líder do Partido Comunista Cubano até abril de 2021, Raúl Castro, lembrou que o fim da dupla moeda "porá o país em melhores condições para levar a cabo as transformações que exige a atualização do nosso modelo económico e social, na base de garantir a todos os cubanos a maior igualdade de direitos e oportunidades"..Díaz-Canel disse contudo que o fim da dupla moeda não será "a solução mágica para todos os problemas" da economia cubana, mas "permitirá avançar de maneira mais sólida" para o futuro. A ilha sofreu neste ano uma queda de 11% do PIB (a pior em 27 anos), não escapando aos efeitos da crise económica provocada pela covid-19. Já foram registados quase 12 mil casos na ilha (menos de dois mil ativos atualmente) e 145 mortes, mas o maior impacto são as perdas para indústria do turismo, da qual Cuba está muito dependente. Além disso, o país tem ainda de lidar com a crise na Venezuela, seu grande aliado nos últimos anos, e continua a ser alvo do embargo norte-americano, em vigor desde 1962..O ex-presidente dos EUA Barack Obama tomou a decisão de reatar as relações diplomáticas entre os dois países e tinha aliviado o embargo no que podia, já que depende do Congresso levantar o "bloqueio" como lhe chamam os cubanos. Mas Donald Trump optou por o reforçar e, segundo o The New York Times, ainda antes de passar o testemunho a Joe Biden, poderá colocar a ilha na lista de países que apoiam o terrorismo..Esta medida, que poderá ser oficializada simbolicamente a 3 de janeiro, quando se assinalam os 60 anos do corte de relações após a revolução de Fidel Castro, tornará ainda mais difícil o investimento estrangeiro e já está a ser contestada pelas autoridades cubanas. Biden poderá querer tirar Cuba da lista de países que apoiam o terrorismo, mas isso implica uma análise aprofundada do Departamento de Estado e não será automática..O fim da dupla moeda vem acompanhado de uma reforma salarial e das pensões, assim como o fim de vários subsídios. Contudo, vão manter-se os preços controlados para vários bens e serviços básicos, como os combustíveis, o leite infantil e outros produtos para crianças até aos 6 anos, e medicamentos para doenças crónicas como a diabetes ou a hipertensão..No que diz respeito aos ordenados dos cubanos, o salário mínimo passará de 400 para 2100 pesos (algo como de 13 euros para 66), um aumento de mais de 500%, sendo que o salário máximo será de 9510 pesos (cerca de 300 euros). Atualmente o salário médio cubano é de 879 pesos (cerca de 28 euros). As pensões dos reformados devem chegar a um máximo de 1733 pesos (55 euros), em vez dos atuais 242 pesos (oito euros)..Mas o aumento dos salários é para responder ao aumento dos preços, que já se começou a sentir ainda antes do "dia zero". Um exemplo, o pão de 80 gramas que cada cubano compra diariamente por cinco centavos de peso cubano vai passar a custar um peso, 20 vezes mais. A libreta cubana, que garante uma série de alimentos a preços subsidiados, também tem os dias contados, devendo desaparecer quando a unificação das moedas estiver concluída..No caso da eletricidade, Díaz-Canel tinha anunciado um aumento substancial, mas recuou ligeiramente por causa das críticas. Até agora, era normal que cada cidadão pagasse, por mês, nove pesos por 100 quilowatts-hora e a proposta inicial era que passasse a pagar 40 pesos. Contudo, a nova tarifa será afinal de 32,78 pesos por 100 quilowatts-hora e 157,78 pesos para os que gastam 200 quilowatts-hora por mês..O presidente cubano foi o primeiro a admitir que a tarefa de acabar com o peso conversível "não será isenta de riscos". E falou precisamente do risco de que haja uma inflação maior do que o previsto, devido à falta de oferta. "Os preços abusivos e especulativos não serão permitidos. Serão enfrentados socialmente com medidas de contenção e severas sanções para os incumpridores", alertou..Para os cubanos que têm a sorte de ter acesso a dólares (através, por exemplo, de remessas de familiares que vivem fora da ilha), existem lojas onde podem comprar vários produtos, havendo quem se queixe de que estas estão mais bem abastecidas do que as que vendem os produtos em pesos cubanos. Nessas lojas, as compras só podem ser pagas com cartões de bancos cubanos vinculados a contas em moeda estrangeira ou cartões de débito ou crédito internacionais (mas não norte-americanos). Sem turistas, por causa da covid-19, o governo cubano deixou de ter tanto acesso aos dólares e a capacidade para pagar as importações, daí que tenham surgido estas lojas..Um dos problemas da dupla moeda prendia-se com o câmbio. Porque as moedas não valiam o mesmo para todos. No setor estatal, peso cubano, peso conversível e dólar eram equivalentes, o que há anos causava distorção nas contas das empresas estatais. Afinal, nos livros de contas, CUC e CUP surgiam como uma só, enquanto para a generalidade dos cubanos um peso conversível equivalia a 25 pesos cubanos (mas havia também diferenças por exemplo para as empresas mistas ou para os salários da zona económica especial de Mariel). A partir de agora serão 24 CUP para todos..As autoridades calculam que mais de 400 empresas possam enfrentar problemas agora que a dupla moeda vai acabar. Para isso, o Estado destinou 18 mil milhões de pesos, para evitar despedimentos durante um ano, período em que estas empresas terão de se adaptar. As mais eficientes serão as que evitem as importações (até agora comprar fora saía mais barato do que comprar dentro), assim como as exportadoras, já que estas receberão 24 pesos por cada dólar.