Cuba anuncia racionamentos mas "não haverá novo período especial"

Crise na aliada Venezuela e reforço do embargo dos EUA levaram governo a racionar alguns produtos básicos. Deputada Nilvia Hechavarría Fuentes diz que a ilha aprendeu com o passado e procurou alternativas.
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O colapso da União Soviética, que era o principal sócio comercial de Cuba, e o intensificar do embargo norte-americano desencadearam o chamado "período especial" nos anos 1990. Muitos cubanos ainda lembram as carências da altura. Agora, a conjuntura parece repetir-se: a Venezuela, o principal aliado regional da ilha, está em crise profunda e os EUA voltaram a apertar o cerco, tendo já sido anunciado o racionamento de produtos como frango, sabão, ovos, arroz ou feijão.

"Há algumas limitações por causa do bloqueio, mas não haverá um novo período especial", disse ao DN a deputada cubana Nilvia Hechavarría Fuentes, em Lisboa numa viagem de trabalho. Recordando que o embargo existe há mais de 60 anos, a deputada eleita pela província de Santiago de Cuba explica que este foi agora acentuado pela decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de aplicar o capítulo III da lei Helms-Burton - suspenso por todos os seus antecessores desde que a lei entrou em vigor, há 23 anos. Este permite que cidadãos norte-americanos processem as empresas estrangeiras que usem propriedades em Cuba que foram confiscadas após a revolução de 1959.

"Já passámos o período especial e ficámos com essa experiência e por isso procurámos alternativas para não voltar a um período especial", afirmou Fuentes, indicando que existem programas, nomeadamente a nível da alimentação, para fazer face à escassez. "Programas por províncias estão a ser desenhados para suprir algumas limitações que agora estão a aparecer", acrescentou, dizendo que há uma equipa de trabalho dentro do Conselho de Estado e Ministros virada para "suprir as limitações que hoje o imperialismo está a causar".

Mas tanto o atual presidente, Miguel Díaz-Canel, no cargo há pouco mais de um ano, como o antecessor, Raúl Castro, que continua a ser o líder do Partido Comunista Cubano, já disseram que vêm aí meses complicados para os cubanos.

O intensificar do embargo norte-americano prende-se também com o apoio que Cuba continua a dar ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Os EUA, como Portugal, reconhecem o líder da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, como presidente interino do país, pedindo uma transição política e novas eleições. Havana mantém o apoio a Maduro, sucessor de Hugo Chávez, que chegou ao poder em 1999 e deu a Cuba o acesso às suas enormes reservas de petróleo, em troca de médicos e professores.

Atualmente, Cuba já não depende de um só país, como acontecia no tempo da União Soviética, mas a Venezuela ainda representa cerca de 20% das trocas e 50% do petróleo que existe na ilha. "A Venezuela é um país irmão. Cada país é independente e ninguém tem o direito de intervir nos assuntos internos de cada país. Por isso apoiamos Maduro e a Venezuela", disse a deputada.

Mulheres ao poder?

Depois de trabalhar na área da construção e de urbanismo no município de Mella, na província de Santiago de Cuba, Nilvia Fuentes foi sendo promovida e acabou eleita delegada à Assembleia Municipal. Presidente desta estrutura, foi eleita nas últimas eleições também para a Assembleia Nacional cubana. Onde 52% dos 605 membros são mulheres.

"É magnífico, porque nós as mulheres temos essa peculiaridade de sermos muito criativas, de exigirmos muito de nós mesmas sobre as coisas que temos de cumprir. Os homens também, mas nós mulheres temos essa característica que nos distingue deles", disse a deputada, que pertence à Comissão dos Direitos da Infância, da Juventude e das Mulheres. No Conselho de Estado e Ministros, a percentagem de mulheres é menor, mas ainda assim elas ocupam alguns cargos de vice-presidente e vários ministérios.

Defendendo que "a mulher cubana não é discriminada desde que triunfou a revolução", Nilvia explica que a nova Constituição cubana reforçou um pouco mais o valor das mulheres e os seus direitos. E não afasta a hipótese de ver uma mulher no cargo máximo da ilha. "Há muitas que podem chegar à presidência cubana", referiu.

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