cruzeiros nazis para operários

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Bom dia, faz favor, muito obrigado, com licença, perdão, onde é?, rua, praça, quanto cus-ta?, cigarros, fósforos, um copo de água, uma cerveja, um selo, um bilhete postal, ida e volta, até à vista, Alemanha, charutos e a numeração até dez." Eram estas as palavras e expressões que constavam do "pequeno guia de conversação, onde se encontrava a tradução e a [respectiva] pronúncia germanizada", inserido no roteiro de Lisboa distribuído aos excursionista alemães.

"O St. Louis, o Deutsche e o Sierra Cordoba, o primeiro pintado de negro e os dois restantes de branco, entraram na barra [de Lisboa] manhã cedo, embandeirados em arco. No mastro da popa, a nova bandeira do Reich com a cruz suástica. No topo do mastro de vante o pavilhão português", descrevia o DN de 21 de Março de 1936. Os três mil passageiros da excursão promovida pela organização nazi de lazer para trabalhadores, a Kraft durch Freude (A Força pela Alegria) - que, a par da fascista italiana Dopolavoro (Depois do Trabalho), inspirara a criação, no ano anterior, da salazarista Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (a seguir ao 25 de Abril, a FNAT mudaria o nome para Inatel), após a visita a Lisboa, seguiam para a Madeira, que era, "para todos os passageiros destes três barcos, a verdadeira Terra da Promissão".

"Quando a aurora rompeu já ninguém dormia a bordo", descrevia o jornal. Os passageiros, "gente acostumada a erguer-se cedo, assomaram sorridentes nas cobertas, admirando os contornos sinuosos das duas margens do Tejo. Os operários alemães, fortes e sadios, e as frauleins desenvoltas e esbeltas não deixavam de observar o panorama que se desenrolava, cinematograficamente, ao longe."

Estes cruzeiros atlânticos para operários, que hoje se considera uma espécie de turismo de massas da época, sendo muito baratos, suscitavam grande entusiasmo e, de 1935 a 1939, uns 20 mil alemães terão visitado Lisboa e o Funchal - mas, além deste destino de férias, os cerca de sete milhões de excursionistas da Força pela Alegria também viajavam pela costa alemã ou optavam por ir até à Noruega e à Dinamarca, a Espanha e a Itália.

"Eram 12,30 quando os excursionistas abandonaram os barcos", registava o DN. "Parte realizou um passeio pela cidade em 23 eléctricos, enquanto os restantes, utilizando outros meios de transporte, se espalhavam de Algés ao Lumiar, visitando os principais monumentos, miradoiros, etc. Hoje realizar-se-ão outros dois passeios em eléctricos, para o que serão utilizados 46 carros."

A Kraft durch Freude, criada 1933 por Robert Ley (um nazi que se suicidaria durante o Julgamento de Nuremberga), além das excursões internas e das viagens marítimas (construiu dois navios de 25 mil toneladas para juntar aos que costumava fretar), também distribuía bilhetes mais baratos para o teatro ou a ópera, tinha a sua própria orquestra sinfónica que fazia tournées pela Alemanha, promovia torneios de xadrez e cursos de costura, permitia a prática da ginástica e da natação - tudo com o objectivo de substituir as reivindicações sindicais e garantir um bom enquadramento doutrinário. "Heil, Hitler!"

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