Críticas abertas ao Papa ensombram nomeação de 17 novos cardeais
Quatro cardeais conservadores fizeram nesta semana um raro desafio público ao Papa Francisco por causa de algumas das suas ideias sobre a família, acusando-o de lançar a confusão sobre importantes temas morais. O líder dos católicos, que ontem criou 17 novos cardeais, respondeu aos seus detratores criticando o seu "legalismo" e cancelou uma reunião da cúria.
Estes cardeais afirmaram que tornaram pública a sua carta a Francisco, enviada em setembro, porque o Sumo Pontífice não lhes respondeu. Eles são Raymond Leo Burke, um norte-americano que foi afastado de uma posição superior no Vaticano em 2014 e um crítico habitual do Papa, os alemães Walter Brandmuller e Joachim Meisner e o italiano Carlo Caffarra.
Esta não é a primeira vez que Francisco desagrada os cardeais mais conservadores, que estão preocupados com a possibilidade de o Papa estar a enfraquecer as regras da Igreja Católica Romana sobre temas morais como a homossexualidade e o divórcio, preferindo focar-se em problemas sociais como as alterações climáticas e a desigualdade económica.
Agora o que está em causa são alguns dos ensinamentos deixados por Francisco nas 260 páginas da exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), um documento basilar em que o Sumo Pontífice tenta tornar os 1200 milhões de católicos mais inclusivos e menos condenatórios.
Nesse documento, lançado no passado mês de abril, o Papa pede uma Igreja menos severa e mais compassiva para com os seus membros "imperfeitos", como os que se divorciaram e voltaram a casar-se, defendendo que "ninguém pode ser condenado para sempre". Os maiores críticos desta exortação apostólica focaram-se na parte em que o Papa falava na total reintegração na Igreja dos membros que, depois de se terem divorciado, voltaram a casar em cerimónias civis.
De acordo com a lei da Igreja, estes católicos não podem receber a comunhão, a menos que se abstenham de fazer sexo com o seu novo companheiro, porque o seu primeiro casamento ainda é válido aos olhos da Igreja e por isso são vistos como vivendo em adultério, o que é considerado pecado.
No Amoris Laetitia, o Papa parece estar do lado dos progressistas, que propuseram um "fórum interno" no qual um padre ou um bispo decide caso a caso, juntamente com a pessoa em causa, se ele ou ela podem ser reintegrados e voltar a receber a comunhão.
Diretivas que os conservadores contestam e que levou os quatro cardeais a pedir ao Papa para "esclarecer estas dúvidas que são a causa de desorientação e confusão". Na carta, intitulada "À procura de clareza: um apelo para desatar os nós em Amoris Laetitia", dizem que mesmo os bispos estão a dar "interpretações diferenciadas" das regras respeitantes aos católicos divorciados e novamente casados e pedem ao Papa para tomar uma posição em relação a cinco dúvidas que têm sobre algumas proclamações do seu documento e esclarecer se estas superam regras impostas por papas anteriores.
Estes quatro cardeais deixam, no entanto, claro esperar "que ninguém nos julgue injustamente como adversários do Santo Padre e das pessoas desprovidas de misericórdia" e também que "ninguém escolha interpretar a matéria em questão como um paradigma progressista/conservador. Isso seria completamente fora das marcas. Estamos profundamente preocupados com o verdadeiro bem das almas, a lei suprema da Igreja e não com a promoção de qualquer forma de política na Igreja".
Numa entrevista dada nesta semana ao jornal italiano Avvenire, Francisco criticou um certo "legalismo, que pode ser ideológico". Referindo-se aos detratores do Amoris Laetitia, disse que "eles veem as coisas como brancas ou pretas, mesmo que seja no curso da vida que somos chamados a discernir".
Segundo o site da televisão católoca EWTN, o mal-estar entre o Papa e os cardeais levou a que Francisco tivesse cancelado o encontro com a Cúria, convocado por ele e marcado para ontem, antecedendo a cerimónia em que criou 17 cardeais - 13 deles com menos de 80 anos, portanto elegíveis para um conclave.
[artigo:5117149]