Crítica XXI. "Há mais mundo para além da Esquerda"
A "atmosfera cultural de pensamento único que, além de consagrar o "antifascismo" como ideologia oficial do Regime, designou como única direita admissível a direita da esquerda, ou seja, uma direita de esquerdistas ou centristas arrependidos, de boa ou má-fé (...) [as direitas] abandonaram-se à correção da narrativa antifascista e ao domínio cultural das esquerdas".
A análise - esta frase com autoria de Jaime Nogueira Pinto - faz parte do texto de abertura, uma "viagem pelas direitas", da nova revista Crítica XXI, que pretende abrir, explica Rui Ramos, "outra perspetiva às pessoas, trazer diversidade, pluralidade. Há mais mundo para além da esquerda e é um mundo fascinante, um mundo de grandes escritores, de grandes autores. Nós somos a porta aberta para se chegar a esse outro mundo".
O que foram conceitos, na leitura de Jaime Nogueira Pinto, "lugares geométricos inicialmente batizados [de esquerda e de direita] a partir de lugares cativos em assembleias políticas fundacionais - o Parlamento britânico e as Constituintes pós-revolucionárias francesas", está hoje "enfermo de um vício que ficou depois do 25 de Abril: separar a direita da esquerda pela questão económica, coisa que hoje não faz praticamente sentido nenhum". E por um passado de "quase meio século de uma direita autoritária, conservador e salazarista" que prejudicou as "próprias causas tradicionais da direita".
Citaçãocitacao"Uma coisa são os valores e os princípios, outra coisa são os instrumentos e o regime"
Como "reação aos partidos de esquerda, a direita teve uma enorme preocupação em afastar os tais valores tradicionais, religiosos e conservadores", diz Jaime Nogueira Pinto. A consequência foi, acrescenta Rui Ramos, a perda de "uma dimensão cultural e política" por via de um "enviesamento da educação e cultura disponíveis, um empobrecimento que é explicado pelo peso e pelo domínio da esquerda".
A explicação " histórica", diz o historiador, que partilha com Jaime Nogueira Pinto a direção da nova revista, está na "forma como a democracia em Portugal se desenvolveu e que teve uma esquerda que quis sempre ter o leque todo, e não só metade do leque, e tentar perceber tudo. E ao tentar perceber tudo, com essa cultura dominante, [a esquerda] acabou por se situar à direita".
"É o que acontece e acontece frequentemente. As pessoas em Portugal, genericamente, são de esquerda porque querem ser de esquerda e as pessoas são de direita porque são mandadas pela esquerda para a direita. As razões pelas quais uma pessoa é de direita aqui em Portugal é porque gosta de determinados autores, de determinado tipo de literatura, gosta de determinado tipo de cultura que não são aqueles que são aprovados, que não fazem parte do cânone da esquerda. E claro, porque têm determinadas preocupações em relação à sociedade, à economia e certas soluções políticas que não são as que a esquerda adota ou adotou", argumenta Rui Ramos.
Citaçãocitacao"Não andamos à procura de pessoas que concordem connosco"
De tal forma assim é, considera Jaime Nogueira Pinto, que "tirando a visão económica, a Iniciativa Liberal é de esquerda". Acontece que, acrescenta Rui Ramos, em "Portugal, um liberal está à direita, por mais que não queira. Está à direita porque a esquerda é antiliberal".
É por uma procura de reflexão que "este grupo de pessoas se lançou num projeto editorial - e não temos exatamente as mesmas ideias, há posições e ideias diferentes". Que, explica Rui Ramos, "não quer apenas reatar a tradição das revistas à direita, quer também reatar a tradição com outro tipo de escrita e leitura associado ao papel, recuperar esse meio de análise que em vários países nunca foi perdido. Se olharmos para o Estados Unidos, para Inglaterra, para França, para dar alguns exemplos, este tipo de revistas, até neste formato a aproximar-se de um livro, é um produto muito frequente".
DestaquedestaqueA nova revista quer "dar a conhecer a tradição intelectual das direitas e os seus desenvolvimentos actuais".
A Crítica XXI "está associada a uma leitura mais demorada, em que a pessoa lê e relê, está ligada a essa ideia de guardar o escrito, não o ver apenas no ecrã e passar a outra coisa. Este projeto tem uma dimensão política e cultural, mas também tem a dimensão de tentar corresponder àquilo que nos pareceu que ainda existe: outros modos de leitura que não são aqueles que estão associados com o online, com a leitura eletrónica, com uma leitura rápida e diagonal".
Porém, avisa o historiador, "não andamos à procura de pessoas que concordem connosco. Não faremos nem comentário nem análise política à política do dia-a-dia, à política partidária. Não é para isso que existimos. Somos uma revista cultural, onde os da direita e outros se podem encontrar, sem estarmos limitados pelo partidário".
O que importa são "os valores, o que encontramos na História, na Literatura, no Cinema", porque "as pessoas não sabem quase nada da direita e o que sabem é o que a esquerda diz. Importa o trabalho das ideias, que as gerações mais novas percebam que há mais mundo, que há outros valores, alternativas, escritores, pensadores", sublinha Jaime Nogueira Pinto.
"Maneiras de ver, de discutir, de olhar para as coisas de forma multifacetada, que compreende uma série de famílias politicamente definidas, liberais, conservadores, nacionalistas, e todos os sub-ramos destas famílias", acrescenta Rui Ramos.
Maneiras assim tão diferentes da esquerda? "As questões que dividem a direita da esquerda - e cada um tem a sua direita e a sua esquerda - são um conjunto de valores sobre o sentido da economia, a propriedade privada, que o Estado não seja tão grande como é. Mas essencialmente é um certo espiritualismo ligado às questões do Cristianismo, ao valor nação/fronteira, à família no sentido tradicional, a direita continua a ser bastante ligada a esse conceito. E finalmente, o facto de a direita ter conseguido ir buscar votos a uma classe trabalhadora que ficou órfã da esquerda, ter pegado nas causas minoritárias, no justicialismo social", responde Jaime Nogueira Pinto.
"Estes valores tradicionais", diz, "podem e devem ser defendidos em democracia. Uma coisa são os valores e os princípios, outra coisa são os instrumentos e o regime".
"Ousem descobrir outras maneiras de pensar, ousem descobrir outras referências. Aqui vamos escrever sobre temas que não são tratados na imprensa tradicional, ou tratar de outra maneira os que o são; falar de autores que provavelmente não são os mais citados nessa imprensa dominante; introduzir diversidade ao círculo mediático das mesmas pessoas, a falarem das mesmas coisas, da mesma maneira", desafia Rui Ramos.
A Crítica XXI, de edição trimestral, que encaixa "naquela ocorrência de projetos editoriais que dão voz, tentam criar espaço para uma reflexão e para uma crítica fora da esquerda, quer do ponto de vista liberal conservador quer de um ponto de vista mais conservador nacionalista", considera Rui Ramos, é das raras revistas de direita [em mais de 50 anos, a Política, a Futuro Presente e a Atlântico, que encerrou em 2008, foram as mais significativas] colocadas no mercado, apesar de ter havido "uma imprensa em alguns aspetos bastante forte, desde logo em 1974/75 com o semanário Tempo, o Dia, o País, o Diabo, a Tarde, o Semanário e O Independente. Houve uma tradição de uma imprensa bastante combativa. Desde 2008, desde a Atlântico, que deixou de haver essa tradição de imprensa alternativa à da esquerda".
Explicação? "A cultura dominante de uma esquerda que acabou com o tempo, por razões eleitorais, de conjuntura e não por doutrina, por se situar também à direita". A direita do PSD? "Essa é a resposta", diz Jaime Nogueira Pinto, "mas não acho que o PSD seja de direita. O comportamento dependeu sempre muito das lideranças".
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