Cristina Oliveira - Astrofísica na NASA
Costuma dizer-se que o limite à nossa imaginação é o céu. Mas para Cristina Oliveira o céu nunca constituiu um limite. Já em criança, quando passava férias no Minho com a família, ficava horas a contemplar o escuro do céu e as misteriosas luzinhas que via lá em cima.
Fascinada por séries e filmes de ficção científica, tinha cerca de nove anos quando atraída pela capa de uma revista, com um dos astronautas que haviam pousado na lua, decidiu que queria estudar astronomia.
Mais tarde, quando teve de decidir o curso superior, achou que devia escolher algo prático e que permitisse uma escolha mais alargada de carreira, pelo que optou pelo curso de Engenharia Física na Universidade Nova de Lisboa.
Terminada a licenciatura e convencida da importância de conhecer outras realidades e ampliar conhecimentos, rumou a Washington onde fez mestrado em Física, e mais tarde Doutoramento em Astrofísica, na Universidade Johns Hopkins em Baltimore.
Cristina Oliveira conta alguns episódios interessantes desta fase de adaptação ao estilo de vida americano, em que, para além de ter de clarificar que Portugal não fazia parte de Espanha, tinha também de explicar aos colegas que não era "secretária" só pelo facto de se vestir um pouco mais formal do que os restantes estudantes americanos.
Ainda não tinha completado o Doutoramento, quando teve oportunidade de fazer parte da equipa científica da Universidade que trabalhava no FUSE, o primeiro telescópio espacial da NASA desenvolvido e operado por uma universidade. Foi responsável por monitorizar a refletividade dos espelhos do telescópio que eram muito sensíveis à contaminação por humidade e hidratos de carbono e tinham de ser mantidos num ambiente controlado.
Em 2007 passou a colaborar com o Instituto de Ciências do Telescópio Espacial (Space Telescope Science Institute), em Baltimore, sendo a sua contribuição extremamente importante para a criação e desenvolvimento de diferentes telescópios.
Com o Hubble, foi chefe da equipa responsável por dois dos instrumentos do telescópio, cujas funções consistiam em calibrar os instrumentos, ajudar os cientistas que usam estes instrumentos a planear as suas observações, a interpretar os dados e a investigar e resolver anomalias.
Desde 2019 é diretora-adjunta do Centro de Operações Científicas do Telescópio Espacial Roman, cujo lançamento está previsto para 2026. Está mais focada nas operações internas do centro de operações científicas, servindo de interface com a divisão que trabalha na divulgação da missão, a que faz o apoio científico e também na supervisão científica da componente de engenharia.
A propósito da invisibilidade das mulheres e do seu contributo na NASA, tão bem retratada no filme Estrelas Além do Tempo, para já não falar do esquecimento de grande parte da história de Nancy Grace Roman, perguntamos a Cristina Oliveira se sofreu algum tipo de discriminação de género ao longo da sua trajetória profissional.
Responde que sim e conta uma ocasião em que era chefe de equipa e estava a reportar ao chefe da missão o trabalho que haviam desenvolvido e a forma como tinham solucionado alguns problemas, ficando estupefacta quando se apercebeu de que ele não lhe colocava diretamente as questões, optando por se dirigir ao seu adjunto, que era do sexo masculino, sentindo-se este também no direito de responder no seu lugar. Como tal, a única forma que teve para conseguir que a ouvissem foi "falar por cima dele até que este se calasse".
Relativamente à necessidade de aumentar a participação de minorias na ciência, refere que em Baltimore, onde cerca de oitenta por cento da população é negra, a NASA tem um programa em que visita universidades com esse objetivo. E acerca da importância de atrair mulheres para as áreas científicas, considera que é necessário trabalhar em várias frentes.
Por um lado, aumentar a divulgação de exemplos de mulheres de sucesso nos meios de comunicação social, nas artes e na vida real, para que sirvam de modelos a seguir. Eliminar preconceitos de género que ainda temos, até de forma inconsciente, e em que formamos juízos de valor diferentes para o homem e para a mulher. Deixar de usar linguagem que favoreça a supremacia do masculino sobre o feminino - a este respeito dá como exemplo o facto do plural de "ele" e "ela" adotar, na língua portuguesa, a forma masculina "eles". Avaliar candidaturas sem ver o nome da pessoa, usar software capaz de detetar, por exemplo, se uma carta de recomendação está escrita de forma a penalizar determinado género, escolher candidatas/os com base no potencial que mostram e não no que já fizeram. E finalmente, deixar de atribuir a responsabilidade com o cuidado dos filhos e dos mais velhos à mulher, pois tal obriga-a a sacrificar a sua carreira.
Cristina Oliveira afirma que é por todas estas razões que, nos Estados Unidos, se usa uma expressão que traduz bem a situação de inferioridade das mulheres na ciência: "They suffer from a death by a thousand cuts". Parece-me uma excelente frase para terminar, ainda que considere que se aplica não só às mulheres na ciência mas a todas em geral.
*Autoras do livro Mulheres do meu país - século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no FB. O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.