Cristiano Ronaldo investe em inteligência e ganha
Cristiano Ronaldo diz que tem uma idade biológica de 23 anos e que a sua namorada, de 24 anos, tem até um pouco de ciúmes da sua juventude peculiar. Esta sua declaração confirma que é um otimista sem limites e que vive a sua carreira como futebolista com um sentimento juvenil. Não é uma interpretação insensata. O futebol testemunhou o colapso de inúmeros grandes jogadores que não conseguiram atravessar com êxito a barreira dos 30 anos. Faltou-lhes algo no seu físico que destruiu as suas melhores virtudes. Geralmente foi a velocidade, sobretudo nos jogadores que precisavam de um ponto de explosão para suster o seu porte físico. Penso em Shevchenko, vertical, brilhante e goleador no Milan até que se tornou um pouco mais lento e desapareceu do mapa. Penso também no misterioso Julen Guerrero, o promissor avançado do Athletic Bilbau que se estreou na seleção com 19 anos, jogou mundiais e com 25 anos entrou numa crise da qual nunca foi capaz de sair. Perdeu velocidade e depois o castelo de cartas ruiu: perdeu o toque, a confiança e o golo.
Às vezes acontece o contrário. Há jogadores tão exuberantes que vivem do seu imenso potencial atlético e prestam pouca atenção à inteligência. Desde a sua aparição no grande Ajax de meados da década de 1990, o holandês Seedorf sempre foi um bom jogador. Foi contratado pelo Real Madrid e jogou ainda nos dois clubes de Milão. Nunca chegou ao potencial que se esperava, até que começou a perder energia. Seedorf, um atleta de longa distância, começou a investir numa parte menos explorada: a inteligência. Fê-lo tão bem que o melhor Seedorf foi o crepúsculo. Transformou-se num jogador cerebral e num eficaz estratega.
Cristiano Ronaldo tem 33 anos, uma idade suspeita no futebol e no desporto. No entanto, o basquetebol, o atletismo, o ciclismo e até a natação, que até há algum tempo pareciam desportos de adolescentes, transformaram-se num território mais do que amigável para os veteranos. LeBron James, que tem a mesma idade de Cristiano Ronaldo, acabou de fazer uma temporada antológica. Nem um sinal de declínio. Pelo contrário, a sua lenda cresceu ainda mais.
O caso de Cristiano Ronaldo é fascinante e estamos a observar isso no Mundial. Não é o Benjamin Button do futebol porque já era uma megaestrela com 21 anos. O seu segredo reside no seu excecional profissionalismo e no cuidado meticuloso do seu corpo? Em grande medida sim, embora se observem alguns sinais de declínio relacionados com desgaste. É rapidíssimo, mas já não é uma bala. É evidente que se apoia no seu físico, mas não ao ponto de garantir as vantagens que conseguia antes. O mais interessante do atual Cristiano Ronaldo é a sua transformação como jogador, o uso massivo da inteligência como motor desta fenomenal etapa da sua trajetória.
Há uma tendência para ver a carreira de Cristiano Ronaldo como uma autoestrada em linha reta, uma perceção falsa que nos impede de entender as suas várias fases como futebolista. Cristiano não foi o mesmo com 20 do que com 25 anos, com 25 e 30, e ainda menos com 33 em vez de 30. É certo que foi uma estrela mundial durante todos estes anos, agarrado a recordes estratosféricos de golos. No entanto, há um primeiro Cristiano Ronaldo que adorava o drible e o barroquismo, mais extremo do que goleador, e um segundo Cristiano Ronaldo que descobriu o perfume do golo no Manchester United. Ali começou a delinear a terceira etapa da sua carreira, a que o consagra como o segundo futebolista mais importante da história do Real Madrid, um centímetro atrás do mítico Alfredo Di Stéfano.
Em cada um destes três degraus, Cristiano Ronaldo aprofunda as suas fabulosas qualidades como avançado e melhora o seu rendimento, um claro sinal de inteligência aplicado ao futebol. É um período de aproximadamente 12 anos, desde a sua chegada ao Manchester United, até há duas temporadas, quando Cristiano começou uma nova revolução, a mais fascinante de todas. Decidiu reinventar-se como jogador e conseguiu-o. O exuberante futebolista que ameaçava com golo de qualquer parte do campo, mas que muitas vezes não deteta as subtilezas do jogo, tornou-se um estatuto estratega que entende o jogo na perfeição.
Na nova e esplêndida versão atual de Cristiano, há que desfrutá-lo mais como um futebolista total do que como um craque do golo. Oferece mais e melhor, é cirúrgico na deteção de espaços que o favorecem e destaca-se por um minimalismo cada vez mais longe do seu barroquismo anterior. É verdade que o ajuda a sua condição atlética e que chegou aos 33 anos como um pincel, mas o quarto período na trajetória de Cristiano Ronaldo destaca-se por uma inversão no seu conhecimento futebolístico. Que querem que vos diga, é provavelmente a frase da sua carreira que mais gosta.
*Santiago Segurola pertence à equipa de cronistas do DN durante o Mundial da Rússia