Crise política na Venezuela divide a América Latina

Maioria dos países da região apela ao cancelamento dos planos para a Assembleia Constituinte e a abertura do caminho do diálogo. Mas Maduro ainda tem aliados em seu redor
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Durante a cimeira do Mercosul, que terminou ontem na Argentina, oito países da América Latina apelaram ao fim da violência na Venezuela e a libertação de todos os presos detidos por razões políticas. E exortaram o presidente Nicolás Maduro a "não levar a cabo nenhuma iniciativa que possa dividir ainda mais a sociedade venezuelana" numa referência à Assembleia Constituinte prevista para o próximo domingo. Mas outro país presente na cimeira não assinou o documento: a Bolívia. O presidente Evo Morales optou por defender a posição de Maduro e acusou os EUA de quererem dar "um golpe" na Venezuela. E não é o único na América Latina a afirmá-lo, deixando a região dividida face à crise que se vive neste país.

Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai (os quatro membros fundadores do Mercosul, do qual a Venezuela foi suspensa) assinaram o documento, assim como os países associados do grupo (Chile, Colômbia e Guiana) e o México. "Convencidos de que a solução para a crise só poderá ser resolvida pelos venezuelanos, [estes países] instam o governo e as forças opositoras da irmã República Bolivariana da Venezuela ao diálogo, que permita uma concertação política credível", lê-se no texto, onde reiteram a sua disposição para acompanhar o processo de diálogo. Até agora, não deu frutos a mediação do Vaticano, do ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero ou as tentativas de vários ex-presidentes latino-americanos.

Morales foi o único que não assinou o documento - apesar de o presidente uruguaio Tabaré Vásquez também se ter pronunciado contra a hipótese de ameaçar a Venezuela de expulsão do grupo. O líder boliviano avisou que os países do Mercosul (clube ao qual está em processo de adesão) não se devem converter em cúmplices de uma intervenção na Venezuela e devem respeitar os presidente eleitos democraticamente. "Não é segredo para ninguém que por detrás dos problemas políticos da Venezuela estão os EUA, por detrás deste golpe contra Maduro estão os interesses de caráter económico, a procura do petróleo venezuelano", disse.

Mas a Bolívia não está só na defesa de Maduro. "A agressão e a violência golpistas" da oposição venezuelanos "prejudicam toda a nossa América e só beneficiam os interesses de quem se empenha em dividir-nos", afirmou na semana passada o presidente cubano, Raúl Castro, alegando que se deve respeitar o "direito legítimo" da Venezuela de solucionar os seus assuntos internos "sem ingerência externa".
Segundo o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do México, Jorge Castañeda, só Havana pode fazer Maduro mudar de ideias. "Não há saída para a tragédia de Caracas sem Cuba", escreveu no seu blogue. A oposição venezuelana acusa muitas vezes Maduro de ser uma marioneta de Castro. Na semana passada, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, esteve em Havana para falar de trocar comerciais com Castro e agradecer o trabalho de Cuba nas negociações de paz com a guerrilha das FARC. À saída do encontro, Santos escreveu no Twitter: "Reiteramos: é preciso desconvocar a Constituinte para conseguir uma solução negociada, rápida e pacífica na Venezuela. O Mundo inteiro está a pedi-lo." Mas da parte do líder cubano não houve comentários.

No seu texto, Castañeda lembrou contudo que "não haverá cooperação cubana sem algo em troca" e que "só os EUA têm algo que dar em troca". Mas a postura de Donald Trump para com Havana não parece ir nesse sentido e o interesse pela Venezuela é recente, com o presidente a ameaçar com mais sanções contra as autoridades. Mas, há um mês, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, não esteve na cimeira da Organização de Estados Americanos (OEA), em Cancun, onde se jogava uma posição firme da região face à Venezuela.

"Os governos que representam mais de 90% da população e do PIB da América Latina votaram por uma resolução sobre a Venezuela contra a convocatória da Assembleia Constituinte", escreveu Castañeda. "Há poucos anos, Brasil, Argentina, Peru e México não o teriam feito. Só a Bolívia e a Nicarágua se solidarizaram com Maduro; nem o Equador, nem El Salvador o seguiram. A mudança é notável", acrescentou, lamentando que não se tenha conseguido os votos necessários (precisava de dois terços) para aprovar a resolução. Faltaram três votos dos países da região das Caraíbas que, tal como Cuba, beneficiam com o petróleo venezuelano.

Mesmo com resolução, a Venezuela já tinha dito que não iria aceitar, tendo anunciado em abril que pretende deixar a OEA. Maduro já apelidou no passado o secretário-geral da organização, o uruguaio Luis Almagro, como "lixo humano", sendo que este tem sido um dos principais críticos do presidente venezuelano. Na sexta-feira, Almagro disse que estava a estudar a apresentação de uma queixa contra membros do governo venezuelano no Tribunal Penal Internacional, por violações dos direitos humanos.
Foi o ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa Rica, Manuel Gonzalez, que melhor resumiu o fiasco do voto na OEA de junho. "A crise da Venezuela é uma crise do hemisfério, envolve-nos a todos. Aqui estamos praticamente divididos em dois grupos que tentam sentir-se como vencedores ou vencidos. Mas os únicos derrotados são os cidadãos venezuelanos, que hoje esperavam por uma resposta."

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