Crise política. Como a prisão de Temer prejudica Bolsonaro

A detenção do ex-presidente da República, e o do seu braço-direito Moreira Franco, pode complicar a aprovação da prioridade das prioridades do governo, a reforma da previdência. O presidente da Câmara dos Deputados e o ministro Moro são outros personagens da história
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"Cada um é responsável pelos seus atos", resumiu Jair Bolsonaro, ao comentar, sem demonstrar particular satisfação ou consternação, a prisão de Michel Temer. À superfície, a detenção parece positiva para o presidente da República, porque, por um lado, desvia a atenção da crise de popularidade e das gafes diárias que o perseguem e, por outro, separa as águas entre a "velha política", representada por Temer (MDB), e a "nova política", que Bolsonaro (PSL) pretende simbolizar. Mas, lá no fundo, por poder comprometer a aprovação da reforma da previdência, a prioridade das prioridades do governo, é prejudicial ao Planalto.

Essa proposta, que Temer não conseguiu aprovar em dois anos de governo, eleva a idade de reforma, diminui valores de pensões e corta direitos adquiridos - é altamente impopular, portanto. Além disso, precisa do aval de dois terços dos deputados, que a ainda macia e inexperiente base de apoio do presidente não consegue, sozinha, garantir. Mais: Bolsonaro cedeu às pressões dos militares, isentando-os de muitos dos sacrifícios que a mudança exigirá de outros setores da sociedade, irritando os deputados que os representam.

"Mesmo que o governo retire agora algumas propostas, a imagem ficou gravada, a reestruturação da carreira dos militares não caiu bem", reconheceu ao jornal Folha de S. Paulo um aliado do governo, o deputado Arthur Maia (DEM).

Assim sendo, o governo precisa mais do que nunca do apoio de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, que se colocou à disposição para ajudar na aprovação da reforma da previdência logo após tomar posse. A posição que ocupa, como a história das relações entre executivo e legislativo provam, nomeadamente na condução do impeachment de Dilma Rousseff (PT) pelo seu antecessor Eduardo Cunha (MDB), tem o poder de influenciar a votação das reformas e, por consequência, os destinos do governo.

Ora Maia, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, ameaçou, horas depois da detenção de Temer, deixar de ajudar nos trabalhos para aprovação dessa reforma. Porquê? Devemos recuar 24 horas da prisão do ex-presidente.

"Moro é um empregado de Bolsonaro"

Ao saber que o pacote anti-crime que apresentou aos congressistas só será votado depois da reforma da previdência, ou seja, no segundo semestre na melhor das hipóteses, o super-ministro da justiça Sergio Moro pressionou Maia a mudar o calendário. A par da situação, o exército bolsonarista das redes sociais colocou-se ao lado do ex-juiz, gerando hashtags e likes, as novas armas de arremesso na política. Carlos Bolsonaro, segundo filho do presidente, perguntou mesmo no Instagram "por que o presidente da Câmara está tão nervoso?". E partilhou uma nota de Moro, onde o ministro dizia que "talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais".

No contra-ataque, Maia subiu o tom. "Moro é um empregado de Bolsonaro", começou por dizer, para depois afirmar que o pacote anti-crime em causa "é um corta e cola de um projeto do [juiz do Supremo] Alexandre de Moraes".

Horas depois, Marcelo Bretas, o juiz da Lava Jato do Rio de Janeiro e aliado de todas as horas de Moro, decretou a prisão de Temer. E de Moreira Franco, braço-direito do ex-presidente, acabado de chegar ao Rio, num voo proveniente de Brasília, onde pernoitara nos dias anteriores na casa de Maia. Franco é sogro do presidente da Câmara dos Deputados.

Não há o mínimo indício de relação causa-efeito entre a discussão de Maia e Moro e a prisão de Temer e Franco mas, como diz a máxima, em política o que parece é.

"E é um confronto ruim para o governo, dono da agenda da Câmara, Maia pode atrapalhar o andamento da reforma da previdência", lembra o colunista do jornal Folha de S. Paulo Igor Gielow.

Maia começou por reagir nomeando para o grupo de análise que se vai debruçar sobre o projeto de Moro, entre outros, os deputados Paulo Teixeira e Marcelo Freixo - o primeiro, do PT, é um feroz defensor da liberdade de Lula da Silva e portanto crítico do ministro e o segundo, do PSOL, é o padrinho de Marielle Franco e está nos antípodas do governo.

A segunda reação de Maia foi aquela noticiada por O Estado de S. Paulo. Perante os líderes parlamentares dos partidos que Bolsonaro precisa de arregimentar em redor da reforma da previdência, Maia pegou o telefone e ligou ao ministro da economia Paulo Guedes, redator da proposta, a dizer "eu estava aqui para ajudar mas o governo não quer ajuda".

"Há ruído na relação com o Congresso mas vamos aguardar, daqui a pouco pode ser que ele [Temer] seja solto", disse Hamilton Mourão, a propósito da controvérsia.

Em perda acentuada de popularidade - 15 pontos desde o dia em que recebeu a faixa de Temer até hoje - Bolsonaro precisa de demonstrar resultados, pelo menos, na economia. E a aprovação da reforma da previdência, dizem os economistas, teria a capacidade de a animar. Os efeitos da prisão de Temer, entretanto, foram a queda imediata de seis mil pontos da bolsa de valores de São Paulo e o aumento do preço do dólar.

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