Crise no governo italiano: Draghi demite-se, mas Mattarella recusa. E agora?
O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, anunciou esta quinta-feira no Conselho de Ministros que ia apresentar a demissão, considerando que "o pacto de confiança no qual o governo se baseia desapareceu". Mas o presidente Sergio Mattarella rejeitou a saída do ex-presidente do Banco Central Europeu, que foi chamado em fevereiro de 2021 para assumir as rédeas de um executivo de união nacional. E remeteu a questão para o Parlamento, onde na próxima quarta-feira irá avaliar se ainda tem ou não maioria, após a revolta do Movimento 5 Estrelas (M5E) no Senado.
O M5E, liderado pelo ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, decidiu boicotar um voto de confiança no Senado a uma proposta de lei que incluía um pacote de ajuda de 26 mil milhões de euros para as famílias e empresas, destinado a mitigar os efeitos da inflação. O uso da moção de confiança é uma manobra clássica para agilizar a tramitação de leis em Itália. O M5E absteve-se, ao contrário dos restantes parceiros do governo que viabilizaram a moção, que passou com 172 votos a favor e 39 contra.
Draghi, de 74 anos, tinha contudo dito que não iria presidir a um governo sem o M5E. Depois da votação, "Super Mario", como é conhecido, foi até ao Quirinalle para uma reunião de uma hora com o presidente Mattarella, com os media italianos a dizer que tinha saído de lá a pensar no que iria fazer. Mas seguiu para o Conselho de Ministros, onde acabou por anunciar que ia voltar ao palácio para apresentar a demissão.
Draghi apelidou a votação de "um acontecimento muito significativo, do ponto de vista político", considerando que a "maioria que apoiou a criação do governo de união nacional já não existe." Mas o presidente não aceitou a demissão e remeteu a questão para o Parlamento, onde Draghi avaliará se é possível continuar até ao final do mandato, na primavera de 2023, e se tem ou não o apoio do M5E. Isto apesar de, na prática, não precisar - os partidos do governo têm atualmente 526 dos 630 deputados, perdendo 104 caso a formação de Conte decida sair do executivo.
O Movimento 5 Estrelas foi o partido mais votado nas eleições de 2018, conseguindo eleger 227 deputados e 112 senadores. Mas várias crises causaram uma verdadeira sangria dos seus membros, culminando numa cisão em junho. A gota de água foi a política do governo de enviar armas para a Ucrânia, criticada por Conte e defendida pelo chefe da diplomacia e ex-líder, Luigi di Maio.
Em rutura, este resolveu sair e fundar o seu próprio partido: o Juntos pelo Futuro, levando consigo 53 deputados e 11 senadores. Foi mais uma sangria para o M5E, que já só tem 104 deputados e 61 senadores. A Liga, de Matteo Salvini, tornou-se assim no maior partido no governo de união, com 131 deputados.
Os problemas no governo de união de Draghi já duram há vários meses, com os principais partidos a querer marcar posição diante dos seus eleitores antes das eleições gerais previstas para o início do próximo ano. Em junho, resultados fracos tanto do M5E como da Liga nas eleições locais, intensificaram as tensões. No final do mês, o primeiro-ministro italiano teve mesmo que deixar mais cedo a cimeira da NATO, em Madrid, para enfrentar uma nova crise. Na altura, Conte acusava Draghi de tentar afastar o M5E da coligação e ele próprio da liderança partidária, pressionando o ex-líder e fundador Beppe Grillo.
Conte apresentou recentemente ao primeiro-ministro uma lista de exigências do M5E para continuar no governo. Na terça-feira, Draghi mostrou abertura para negociar alguns desses temas, incluindo a introdução de um salário mínimo, mas lembrou que a ideia de um governo de união estaria "perdida" se os partidos que o apoiam começassem a fazer ultimatos como o M5E.
Mas também há problemas à direita. Com a Liga, a questão do apoio à Ucrânia também é problemática - o partido, acusado de receber fundos da Rússia, considera que enviar armas só vai prolongar a guerra. Mas o líder da formação de direita radical, Matteo Salvini, critica ainda que a esquerda queira discutir uma proposta para aliviar as regras para garantir a cidadania a cerca de um milhão de crianças nascidas em Itália, filhas de imigrantes, ou a legalização da canábis. Isto quando "os salários dos italianos são demasiado baixos e as contas são demasiado altas". Defende eleições antecipadas.