Crise institucional na UE: Parlamento envia carta com aviso ao Conselho
Numa carta endereçada ao presidente do Conselho Europeu, a uma semana da cimeira extraordinária, os quatro principais grupos políticos de Estrasburgo ameaçam rejeitar qualquer proposta que imponha cortes nas políticas tradicionalmente ligadas à história da integração europeia.
Para os grupos mais representativos do Parlamento Europeu, o orçamento de longo prazo deve "manter o mesmo nível de financiamento para as políticas de agricultura, pesca e coesão, em termos reais", ou seja, descontada a inflação.
Na próxima semana, os líderes europeus encontram-se em Bruxelas, numa cimeira extraordinária, para concertar posições, numa altura em que há fortes divisões entre o grupo dos contribuintes líquidos e os chamados Amigos da Coesão - em que se inclui Portugal e outros 15 países.
Estes últimos beneficiam das políticas desenhadas para aproximar os seus níveis de desenvolvimento dos padrões das economias mais avançadas da Europa. Mas, a saída do Reino Unido e as novas áreas de política que a União Europeia pretende levar a cabo ameaçam os recursos das chamadas políticas tradicionais.
Pior ainda, os dez países do chamado grupo dos "frugais" têm vindo a opor-se à expansão do orçamento, escusando-se até a cobrir as perdas que resultam do brexit. Recorde-se que no quadro financeiro que está em vigor, o Reino Unido contribui com 77 mil milhões de euros, no período de sete anos.
Em Beja, os "Amigos da Coesão" anunciaram a vontade de que a posição divergente que se verifica no Conselho Europeu "seja ultrapassada". Consideraram também, e de forma "unânime", que o futuro quadro financeiro, para ser apoiado pelo grupo de 16, não poderá implicar perdas, nomeadamente "na coesão".
"O financiamento para a Política de Coesão para o período de 2021-2027 deve manter o nível do quadro financeiro plurianual 2014-2021 em termos reais", lê-se na declaração assinada em Beja, pelos chefes de Estado ou de governo, do grupo dos países beneficiários do orçamento da União.
Já esta semana, em Estrasburgo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen congratulou-se com os que defendem, "com razão", a Política Agrícola Comum e a Política de Coesão, mas espera que tenham "a mesma dedicação no que diz respeito à defesa das nossas novas prioridades".
Entre o mercado digital, a investigação e inovação, a inteligência artificial, combate ao desemprego, solidariedade, apoio à construção da União Europeia de Segurança e Defesa, Von der Leyen fixa-se na bandeira prioritária do mandato, defendendo "um orçamento que os cidadãos e as empresas vejam que somos capazes de agir em matéria de alterações climáticas".
Na semana passada, o primeiro-ministro português, António Costa, já tinha, na realidade, expressado uma posição sobre o repto de Von der Leyen, quando trouxe a Bruxelas as preocupações do grupo que se reuniu na capital do Baixo Alentejo. Em particular, a mensagem de rejeição aos cortes na política de coesão, tendo lembrado que esta política histórica da União Europeia é fundamental até para as nova prioridades de Bruxelas.
"Para podermos ter uma transição ambiental justa para termos uma transição digital justa é absolutamente fundamental termos uma política de coesão porque se queremos investir na formação profissional se queremos investir na modernização e na inovação das empresas precisamos de política de coesão", defendeu António Costa.
Num longo dia de reuniões, o primeiro-ministro entregou as propostas da cimeira de Beja ao Presidente do Parlamento Europeu, David Maria Sassoli, e aos representantes dos grupos políticos.
Na altura, o presidente do Conselho Europeu foi lacónico, quando questionado pelos jornalistas portugueses se admitia que o Parlamento viesse a chumbar um orçamento que penalizasse as políticas tradicionais.
"Nós fizemos a nossa proposta, agora esperamos a proposta do Conselho", afirmou David Sassoli, dizendo estar "à espera que o conselho ouça o parlamento, bem como as posições dos Estados-Membros". Recorde-se que o quadro financeiro plurianual é uma matéria de co-decisão, em que o Parlamento Europeu tem uma palavra determinante e vinculativa sobre a proposta final.
Na posição agora manifestada na carta enviada ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, os líderes dos grupos parlamentares aproximam-se abertamente da declaração de Beja, deixando implícita a rejeição a qualquer proposta de orçamento que penalize a Coesão e a Agricultura.
Ainda com muitas contas para fazer, a equação que está em cima da mesa parece ter todas as variáveis para uma crise institucional, que "ninguém deseja", afirmou ao DN uma fonte próxima das discussões, apontando para as consequências possíveis, nomeadamente ao nível dos atrasos na distribuição de verbas a partir de 2021.
Entre os eurodeputados, a socialista Margarida Marques, co-relatora do quadro financeiro plurianual, é clara: "não queremos uma crise institucional". Porém, avisa que os parlamentares "só estão dispostos a dar o consentimento, (...) se tivermos um orçamento à altura das prioridades políticas e um acordo político sobre recursos próprios".
Sobre a cimeira extraordinária, entende que "cada Estado-membro precisa de sair dos seus egoísmos nacionais, o que é possível, como quase sempre aconteceu ao longo da história da UE".
O social-democrata José Manuel Fernandes, co-relator na parte dos recursos próprios, avisa que "a proposta será rejeitada", caso o Conselho não respeite "as suas obrigações, nomeadamente "que não prejudique os agricultores, as regiões mais pobres, o desenvolvimento rural, e que ajude também a um crescimento amigo do ambiente".
Na carta enviada ao presidente do Conselho Europeu, que ficou encarregue de apresentar uma proposta ao chefes de Estado ou de governo, os presidentes dos grupos políticos lembram as responsabilidades do Parlamento enquanto co-legislador, e deixam um aviso.
"Não aceitamos ser confrontados com um "fato consumado" pelo Conselho sobre qualquer aspeto destas negociações. Estamos totalmente comprometidos com a adoção oportuna do próximo Quadro Financeiro Plurianual e estamos prontos para negociar desde novembro de 2018. No entanto, não aceitaremos um mau acordo devido à pressão do tempo", avisam.