Crimes do colarinho preto
Sabiam que o Ministério da Justiça quer exterminar o DCIAP, o departamento que investiga a criminalidade económico-financeira, corrupção, evasão fiscal, branqueamento de capitais, desvio de fundos europeus, terrorismo? Bastou o Director desse Departamento Central de Investigação e Acção Penal lamentar a carência (persistente) de recursos para investigar (o que há anos é repetido por dirigentes do Ministério Público e da Polícia Judiciária), e pumba! Já se sabe: quem se mete com o PS...
O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça logo declarou: "Em linha com os habituais queixumes de setores sindicais e de responsáveis por estruturas redundantes que consomem muitos recursos e produzem insuficientemente, diz o director do DCIAP que precisa de mais peritos económicos, financeiros e informáticos". Portanto, para este governante, as denúncias de défice de meios são queixumes, quiçá caprichos até porque considera o DCIAP uma estrutura redundante, supérflua, dispensável. E ineficaz. Claro que leveda aqui (mais) um duro ataque à autonomia de um pulmão da Procuradoria-Geral da República que há anos vive em asfixia de capacidade e que agora, pelos vistos, se pretende implodir.
Mas o Secretário de Estado não ficou por aqui e acrescentou: "o nosso sistema legal não prevê um modelo de MP megalómano e hipertrofiado, a desempenhar as funções que cabem aos órgãos de polícia criminal (OPCs). Os procuradores dirigem o inquérito criminal mas não são - nem é suposto que sejam - polícias. Ao MP o que é do MP; e aos OPCs o que é dos OPCs...". Ou seja, pelos vistos, o plano passa por subtrair ao Ministério Público, enquanto magistratura autónoma, o exercício da acção penal e a direcção do inquérito, a realização efectiva de diligências de investigação, reduzindo-o a mero burocrata mangas de alpaca, limitando-se a assinar de cruz o que as polícias determinarem. Até porque os órgãos de polícia criminal, esses sim, são directamente controlados pelo Governo que dessa forma, e no limite, pode até decidir quem é ou não investigado.
Ou seja, com uma mão o governo anuncia com estrépito uma estratégia nacional contra a corrupção, com a outra tudo faz ao seu alcance para que tal seja mero logro, prestidigitação. De facto, este orçamento de estado (e ao contrário da versão martelada do executivo) não reforça os meios para este combate e, na verdade, o DCIAP terá que continuar a fazer omeletas sem ovos. E ainda ser criticado.
Por fim, sublinhe-se a gravidade das portas giratórias na justiça. Este secretário de Estado é juiz do juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Agora age como comissário político, fazendo um tempinho no executivo de António Costa, mas em breve voltará a vestir a beca e, legitimamente se pergunta, com que credibilidade o fará? Que fiabilidade dará um magistrado de um tribunal superior que faz uma perninha e um jeitinho ao governo? Que garantias? Em Outubro é cacique e em Janeiro é isento e imparcial? Enfim, ficamos conversados quanto a quem é, realmente, queixinhas e redundante. Ah, já agora: "ao Ministério Público o que é do Ministério Público; e às polícias o que é das polícias", não é? E que tal também "à justiça o que é da justiça e à política e o que é da política". Não é esse o mantra que tanto gostam de debitar mecanicamente? Agora sim, seria oportuno.
Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia