Criação de emprego público deve fraquejar na próxima legislatura
O aumento do emprego público deve continuar, mas o ritmo será mais moderado, indicam cálculos do DN/Dinheiro Vivo com base em dados das Finanças e do Conselho das Finanças Públicas (CFP).
Entre o final de 2015 e o final de 2019, o número de empregos do setor público português aumentou em cerca de 40 mil (em termos líquidos). As administrações públicas devem terminar neste ano com mais 699 mil funcionários, quase 700 mil.
O CFP, que quinta-feira publicou o estudo Finanças Públicas: Situação e Condicionantes 2019-2023, admite que, de 2019 em diante, o emprego público vai continuar a evoluir a uma média de 1% ao ano, o que significa que Portugal deverá ganhar, em termos líquidos, mais 28 mil empregos públicos ao longo da nova legislatura, que está prestes a começar. Ou seja, este emprego continuará a expandir-se, mas de forma menos intensa.
No final de 2023, o país terá assim cerca de 727 mil funcionários, assumindo a "hipótese técnica" do Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral.
Esta hipótese tem razões de ser. Primeiro, o CFP não obteve das Finanças informação desagregada para saber qual a parte do aumento da despesa que advém do aumento do emprego público e qual a parte que diz respeito às atualizações salariais.
"O CFP solicitou informação desagregada de modo a poder afetar os impactos em efeito preço e volume às diferentes rubricas da despesa e receita (contribuições sociais). Contudo, não obteve uma resposta quantificada por parte do Ministério das Finanças."
Assim, a entidade "adotou a hipótese técnica de um aumento do emprego público (efeito volume) em 1% ao ano, conjugado com uma atualização anual dos salários dos funcionários públicos de acordo com o IPC (efeito preço) de forma a acomodar parte dos efeitos descritos, nomeadamente a evolução do número de trabalhadores e as valorizações remuneratórias".
A expansão de 1% no número de funcionários assenta na realidade efetivamente observada nos últimos três anos em que de facto houve um aumento médio dessa magnitude.
O CFP assume ainda que essa moderação (que em termos absolutos dará menos empregos no final da próxima legislatura quando se compara com a que agora termina), a par de moderação salarial, é crucial para a despesa pública, rubrica que é vista um fator de risco para os próximos anos.
Na apresentação do estudo, Nazaré Costa Cabral afirmou que "estamos em mudança de legislatura", pelo que "há riscos orçamentais que subsistem e que devem ser registados". Falou de pressões "que se fazem sentir em certas componentes mais rígidas da despesa", como as "despesas com pessoal e despesas com certas prestações sociais", caso das pensões.
O CFP revelou na quinta-feira que o governo até vai alcançar um resultado orçamental histórico já neste ano - um excedente de 0,1% do produto interno bruto (PIB) -, antecipando em um ano o plano do governo PS e do ministro das Finanças, Mário Centeno. Além do mais, assumindo as políticas hoje em vigor (cenário de políticas constantes), o governo vai conseguir manter o saldo orçamental positivo até 2023. Para este ano que agora termina, Centeno manteve a meta num défice de 0,2%, talvez um pouco menos.
Para 2020, o Conselho projeta um reforço do excedente para 0,3%. Uma vez mais num cenário de políticas constantes. Não conta com novas medidas, até porque não se conhece ainda o Orçamento do ano que vem.
Mas estará o CFP mais otimista do que o governo? Nem tanto assim. Segundo a entidade que acompanha as contas públicas, esta viragem súbita no resultado final de 2019 tem sobretudo que ver com as revisões estatísticas profundas operadas recentemente pelo INE e não é tanto mérito do governo. A economia estava a crescer mais do que se esperava.
No entanto, Costa Cabral avisou que mesmo este caminho de excedentes anuais consecutivos pode ser curto. "O peso da dívida é muito significativo, estamos muito longe ainda daquilo que são as metas europeias e isso limita a capacidade de resposta que o país tem do ponto de vista orçamental, nomeadamente para fazer face a uma inversão do ciclo económico."
Mas não são só os salários e as pensões que podem atrapalhar o roteiro das "metas europeias". Há mais riscos sérios no horizonte.
Os contribuintes portugueses devem ter noção de que há riscos "associados ao contexto económico internacional (tensões de escalada protecionista, desaceleração da economia chinesa, incerteza associada ao Brexit e tensões no Médio Oriente".
Internamente, também há coisas que podem complicar. "No plano orçamental destacam-se como riscos os efeitos na evolução da receita fiscal da desaceleração da economia, o impacto potencial de medidas de apoio ao setor financeiro e a entidades do setor público (por exemplo, a SATA Air Açores) e a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública (despesa com prestações sociais e despesa com pessoal", elenca a instituição presidida por Nazaré Costa Cabral.
Aliás, esses riscos orçamentais "residem sobretudo ao nível do impacto potencial das medidas de apoio ao setor financeiro", sobretudo as que emergem do Fundo de Resolução e do problema latente com o Novo Banco, que continua a precisar de apoio estatal para se manter à tona.
Estamos a falar da "exposição direta das administrações públicas, por via do Fundo de Resolução, às obrigações previstas no Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco até ao total máximo de 3890 milhões de euros, obrigando-se o Estado português, em caso de necessidade, a disponibilizar até 850 milhões de euros ao ano".
* jornalista do Dinheiro Vivo