Crescendo militar dos talibãs adensa disputas no Afeganistão
Quinze anos após o ataque americano ao Afeganistão os avanços militares dos talibãs e a incerteza crescente quanto ao futuro do país incentiva os jogos de influência em torno do conflito afegão, confrontando diretamente os Estados Unidos e diversos atores regionais, entre eles o Irão, a China, e sobretudo a Rússia.
O recente ataque dos talibãs a uma unidade militar afegã em Mazar-e-Sharif veio uma vez mais chamar a atenção para o crescendo militar dos estudantes de teologia. A ousadia da operação, que fez mais de uma centena de baixas entre as forças fiéis a Cabul, surpreendeu os observadores. O ataque, levado a cabo por um comando talibã usando uniformes do Exército, gerou especulações de que a operação teria contado com cumplicidades no seio das forças afegãs e levaria dias depois à demissão do ministro da Defesa e do chefe do estado-maior do exército afegão.
Mazar-e-Sharif é considerada uma das cidades mais seguras do Afeganistão. O complexo militar em questão alberga o 209.º Corpo do Exército afegão, responsável pela maior parte do Norte do Afeganistão, a área em que os talibã têm menor implantação, mas onde os combates se têm intensificado nos últimos meses, particularmente a província de Kunduz.
O ataque vem coroar uma série de ações espetaculares e de avanços territoriais dos talibãs nos últimos dois anos. No ano passado tentaram conquistar várias capitais provinciais desde Baghlan, no Norte, a Helmand, no Sul, e Farah, no Oeste, e chegaram mesmo a ocupar Kunduz e parte da cidade de Lashkar Gah, no Sul, acabando depois por ser obrigados a recuar com o apoio de ataques aéreos americanos.
Em março último os talibãs ocuparam o importante distrito de Sangin, palco de sangrentas batalhas com as tropas da NATO durante anos, reforçando a sua implantação no Sul pashtun. As ações dos talibãs têm custado pesadas baixas às forças de segurança afegãs - mais de 6700 em 2016.
De acordo com um relatório recente do Special Inspector General for Afghanistan Reconstruction (SIGAR) o governo de Cabul perdeu cerca de cinco por cento de território desde o início deste ano e Cabul não chegará hoje a controlar 60% do território do país, contra 72% no final de 2015. O comandante das forças americanas no Afeganistão, general John Nicholson, garante que a implantação dos talibãs tem aumentado sobretudo em zonas rurais mais remotas, mas as ações dos estudantes de teologia visam cada vez mais os grandes centros urbanos em ações de grande impacto simbólico e político.
Os avanços dos talibãs revelam bem a fragilidade da situação no Afeganistão dois anos e meio depois de os EUA e a ISAF terem entregado a responsabilidade pela segurança no país ao exército e às forças de segurança afegãs.
A coligação ocidental liderada pelos EUA deixou no terreno uma força residual de cerca de 13 mil homens para treino e acompanhamento das forças afegãs e para operações antiterroristas.
O crescendo militar dos talibãs impôs a revisão do calendário de retirada de forças da administração Obama e que deveria estar concluído no final de 2016. Os EUA têm ainda cerca de 8500 homens no Afeganistão, a que há que juntar os efetivos das empresas militares privadas em ação no terreno e importantes meios aéreos.
Em janeiro assistiu-se mesmo a um reforço do dispositivo da NATO na província de Farah para fazer frente ao avanço dos talibãs e ao envio de 300 marines para a província de Helmand. O general Nicholson pediu recentemente um reforço do efetivo militar americano no país.
A redução do empenhamento militar americano, o crescendo dos talibãs, os conflitos no seio do regime pró-ocidental de Cabul e a política errática do presidente afegão Ashraf Ghani adensam a incerteza em torno do conflito afegão e alimentam uma série de movimentações de atores regionais em torno do conflito sob pano de fundo de uma crescente tensão entre os EUA e atores regionais como o Irão, a China e a Rússia.
O surgimento do Estado Islâmico (EI) no Afeganistão, no início de 2015, terá desempenhado um papel importante neste processo. O EI representa uma nova ameaça para os talibãs - ainda há dois dias o EI reivindicou a morte de um dirigente dos talibãs em Peshawar (Paquistão).
O Irão xiita via nos talibãs uma ameaça e apoiou os grupos antitalibãs nos anos 1990 e a intervenção ocidental no Afeganistão.
A Rússia apoiou a Aliança do Norte contra os talibãs na guerra civil afegã dos anos 1990 e a intervenção americana no Afeganistão em outubro de 2002. Aos olhos de Moscovo, a própria presença mi-litar dos EUA e da NATO no Afe-ganistão representava de algum modo um garante contra o contágio da militância jihadista e a infiltração de droga na Ásia Central (e que ameaça igualmente a região de Xinjiang na China).
A ameaça comum do EI veio alterar tudo. Em Teerão, Moscovo ou Pequim multiplicam-se teses conspiratórias segundo as quais o EI seria um instrumento de desestabilização manipulado pelos EUA. Tanto a Rússia como o Irão iniciaram um diálogo com os talibãs.
Em dezembro de 2015 um diplomata russo reconheceu abertamente que "os interesses dos talibãs coincidem objetivamente com os nossos" na luta contra o EI e que a Rússia e os talibã estabeleceram canais para "trocas de informação".
Altos responsáveis americanos têm denunciado o "namoro" russo aos talibãs e o general Curtis Scaparrotti , comandante da NATO na Europa, acusou mesmo a Rússia de estar "provavelmente" a equipar os insurretos.
Em Washington suspeita-se de que a Rússia tenta tirar proveito da situação para minar a presença americana e conquistar pontos na região. Face ao fracasso de sucessivas tentativas americanas, as negociações com os talibãs movimentam hoje novos atores, entre eles a Rússia.
Coincidência curiosa, o lançamento da uma GBU-43/B, a "mãe de todas as bombas" contra posições do Estado Islâmico no Leste do Afeganistão, no passado dia 13, ocorreu em vésperas de negociações sobre o Afeganistão em Moscovo, envolvendo 12 atores regionais.