Crer e querer, saber e poder, ou vice-versa
Começa hoje outro Europeu. Acabaram os pontos e os cálculos de lugares, agora só conta ganhar, que a inversa é voltar a casa e à seleção de todos os empates não voltará a acontecer mais do mesmo. Será melhor ou pior quanto a resultados mas, para não ser pior, a forma de jogar é que não pode ser... mais do mesmo. O que se viu até agora foi uma equipa sem verdadeira consistência e uma ideia que a guiasse: a momentos de circulação de bola com critério seguiam-se pontapés para a frente sem nexo e perdas de bola absurdas, a lances de inspiração ofensiva - mais resultantes de ações individuais - sucederam erros de principiante, por exemplo numa defesa em que a média de idades - Vieirinha, Pepe, Ricardo Carvalho e Eliseu - era superior a 34 anos.
Antes de discutir qual a melhor estrutura ou os jogadores mais indicados vale sempre a pena atender ao que tem sido "o jogar" de Portugal, algo indefinido e anárquico. Estará na hora de fazer a principal opção, perante adversários de maior qualidade: sem descurar nenhum momento do jogo, Portugal ou passa a ser uma equipa que pressiona alto para assumir iniciativa mas correndo mais riscos ou uma equipa que se agrupa mais para fechar espaços apostando nas transições ofensivas que levam ao contra-ataque. Já o escrevi antes: provavelmente foi deste último contexto que o selecionador partiu, por não ter um grande ponta de lança, um verdadeiro médio organizador ou centrais jovens e rápidos. Acontece que o sorteio fez Portugal favorito de um grupo, obrigou a assumir iniciativa, e a seleção andou à procura de um modelo que ainda não encontrou.
Quando o modelo não é fácil de encontrar, e o tempo para treinar é escasso, procura-se muitas vezes no sistema - na distribuição dos jogadores no campo - o modo de iludir fragilidades. É o que tem feito Fernando Santos, navegando entre duas estruturas de 4X4X2 (clássico e losango) e mais o 4X3X3. Não adianta dizer que os sistemas não contam, que é mesmo à volta deles que se constrói, no concreto, o jogar de uma equipa. Com tão pouco lastro de rotinas, numa prova tão curta e agora a eliminar, creio até que depende da boa escolha do sistema - e dos jogadores, em sequência - o sucesso português. Considerando que não é recomendável replicar o 4X3X3 de risco testado com a Áustria (com Quaresma de início) - que até seria um losango na intenção do treinador - e que o 4X4X2 mais utilizado revela dificuldades em fazer com que os médios cheguem na área contrária - as oportunidades criadas são quase todas de Ronaldo e Nani - restariam duas hipóteses: um outro 4X3X3, com jogadores nas alas que tenham agressividade ofensiva mas também competências para fechar o corredor na hora de defender - por exemplo, Nani e João Mário - ou um 4X2X3X1 mais arriscado, com um jogador na "posição 10" - e só vejo João Mário neste grupo - e as faixas entregues a Nani e Rafa. Em qualquer dos casos, Ronaldo teria de ser o efetivo ponta de lança da seleção, com liberdade para se movimentar, naturalmente, mas sem abandonar a toda a hora aquela que é a melhor posição para ele no contexto atual da seleção portuguesa: quanto mais perto estiver da baliza contrária mais próximo está de fazer a diferença e de não comprometer no momento defensivo.
Claro que há que ponderar também os jogadores certos para cada lugar, mais ainda numa prova em que as questões de frescura e fadiga podem ser determinantes e com tão pouco tempo de intervalo desde a partida anterior. Não é pelo individual que se resolvem os problemas do coletivo mas há jogadores que, pelas características ou pelo momento, podem dar o que outros não conseguem. Fernando Santos quis - e bem - dar ritmo a Moutinho para organizar a equipa em redor dele. A substituição ao intervalo diante da Hungria dá a entender que o treinador desistiu da intenção, pelo menos para já. Só vejo Adrien para o substituir diretamente, porque garante sentido tático, agressividade para parar o ataque contrário e qualidade no passe, mesmo sem ter a amplitude de Moutinho a esse nível. É por isso que apostaria nele para "segundo médio", mais ainda do que pelo conhecimento - que também tem - dos movimentos de William e João Mário. Estando certos estes dois últimos, e mais Ronaldo e Nani, sobrará uma vaga do meio-campo para frente, e há três opções: André Gomes, se recuperar a energia dos primeiros jogos - no último esteve longe disso -, que garante mais sentido tático, porventura importante para "cair" na zona habitada por Modric, e rotinas de jogar em zonas interiores; Renato Sanches, pela irreverência e pela capacidade de ganhar terreno em posse, ou seja, transportar a bola até zonas mais avançadas; ou ainda Rafa, numa solução de maior risco quanto ao equilíbrio do conjunto (pelo corredor onde avança Srna), apesar de ter evoluído defensivamente no último ano do Sp. Braga, mas que acrescenta sobretudo velocidade e criatividade nos momentos em que houver espaço para atacar.
Fernando Santos falou na necessidade de querer mas também crer. Ele crê, que insiste na ideia de chegar à final e ganhá-la. Os jogadores querem, ninguém duvida, e sabem jogar melhor, estou certo também. Falta é saber se conseguem, se hoje têm poder para isso, nas ideias e nas pernas. Querer é poder mas a inversa também pode ser verdadeira.