CP vai ter de indemnizar por atrasos nos comboios
Os clientes que se sentirem prejudicados por atrasos, supressão de comboios e perdas de ligações já podem exigir à CP uma indemnização cível pelos danos causados. Isto decorre de um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), publicado anteontem em Diário da República. A decisão, que dividiu os conselheiros, considerou inconstitucional a norma da Tarifa Geral de Transportes (TGT) que previa que os Comboios de Portugal não respondiam "pelos danos causados aos passageiros" resultantes de atrasos e supressão de comboios e perdas de enlace.
Ao considerar inconstitucional a norma inscrita numa portaria de 1975, posteriormente alterada em 1980, mas que manteve a irresponsabilidade da CP face aos prejuízos causados pelos atrasos nos comboios, o TC deixa, assim, uma porta aberta para eventuais pedidos de indemnização à CP. "O que acontecia é que até agora a CP não respondia pelos danos causados. Com este acórdão, a norma deixa de produzir qualquer efeito", disse ao DN Natália Nunes, da Associação de Defesa do Consumidor (Deco).
Em caso de prejuízos causados, os clientes poderão demandar civilmente a CP, sendo que para isso terão que "provar esse prejuízo", acrescenta aquela jurista da Deco. O cálculo ficará depois entregue aos tribunais.
A inconstitucionalidade da norma da TGT foi suscitada ao TC pelo anterior provedor de justiça, Menéres Pimentel, em 1999. Entendeu a provedoria que ao estabelecer que "a empresa dos caminhos de ferro não responde pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace", a norma do artigo 19.º da TGT violava o n.º 1 do artigo 60.º da Constituição da República no que diz respeito à "reparação de danos".
Ora, os conselheiros entenderam que, apesar de o mesmo artigo prever que a CP é apenas obrigada " a fazer seguir o passageiro e a sua bagagem, sem qualquer acréscimo de preço (independentemente da categoria do comboio, tipo de bilhete ou ainda que o passageiro tenha que viajar em classe superior), por um comboio que sirva a estação de destino do passageiro, pela mesma linha ou por outro itinerário, de maneira a permitir-lhe chegar ao destino com o menor atraso possível, ou a reembolsá--lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, sem pagamento de qualquer taxa" - tal não é suficiente para ser "considerada como uma forma de estabelecimento de limites, seja ao quantum, seja ao quid indemnizatório".
A decisão - que foi aprovada pelo voto de qualidade do presidente do TC, Artur Maurício - diz que a "fazer seguir o passageiro de maneira a fazê-lo chegar ao seu destino com o menor atraso possível ou reembolsá-lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, haja, ou não, no evento de não realização da viagem, culpa do transportador, não significa mais do que, no primeiro caso, o cumprimento-possível dada a ocorrência de uma impossibilidade temporária da obrigação, a cargo do caminho de ferro, adveniente do contrato de transporte que firmou com o passageiro que ainda continue interessado na manutenção desse contrato".
Os conselheiros do TC concluem, então, que o disposto na parte inicial do artigo 19.º da TGT "vem vedar totalmente que qualquer prejuízo" dos passageiros "possa ser objecto de ressarcimento pelo prestador de tal serviço". O que contraria o disposto no texto constitucional que prevê a reparação de danos aos consumidores, em casos de incumprimento de serviços.
A questão não foi consensual no TC. Os juízes do Palácio Ratton dividiram-se, obrigando o presidente, Artur Maurício, a um voto de qualidade para desempatar a questão. Cinco conselheiros apresentaram declarações de voto contra a decisão tomada.