Cozinhado a preceito
Que o ano de 2010 será de rigor fiscal, em vez de expansão da despesa pública, já ninguém duvida. A questão é saber quem vai pagar esse rigor. À esquerda, a famosa palavra de ordem "Os ricos que paguem a crise!" transmutou-se numa outra, a de que os ricos também têm de pagar uma parte desta crise. Para tanto, preconizam um maior IRC efectivo cobrado à banca, mais-valias e ganhos de património englobados no IRS, para aumentar a receita pública. A estas propostas, PS e partidos à sua direita fazem ouvidos moucos e acabam por retorquir que não é certamente em maré baixa de investimentos privados que se deve aumentar a carga fiscal dos detentores de capital. Em economia aberta com livre circulação de capitais, isso só agravaria a retracção do investimento produtivo, de que o relançamento económico tanto necessita. À direita, ganha forma uma redução vigorosa da despesa: corte nos impostos às empresas e redução dos salários dos funcionários públicos (na Irlanda, este ano, esse corte é de 7%!). O efeito, a curto prazo, é recessivo, mas a produção teria, assim, melhores condições na sua estrutura de custos de dar um salto mais vigoroso na sua expansão. É o ajustamento à bruta, com a promessa de atirar de novo o PIB para ganhos reais superiores a 2% (coisa que anda fugidia da economia portuguesa há uma década). Esta via aumentaria muito a crise social em Portugal e as dificuldades na vida de, seguramente, uns 150 mil trabalhadores desempregados a mais, e suas famílias. A nossa rede social de apoio às necessidades mais ingentes já tem uma extensão comparável à das congéneres europeias. Mas as nossas limitações na produtividade e no produto final reduzem muito a dimensão de cada apoio dado. Puxar ainda mais por esta rede fina é arriscar rupturas sociais, que até agora foram evitadas. Resta a via do meio, a da recuperação mais lenta e gradual. Para a qual todos têm de contribuir. Quem é chamado a dar o quê para sairmos da crise e endireitarmos as contas públicas, é o que se verá no fim da negociação política do Orçamento do Estado agora encetada na Assembleia da República.