«As receitas portuguesas são de comer e chorar por mais, fáceis de confeccionar, baratas e saudáveis. E são-no porque a combinação dos alimentos é balanceada (nos casos em que não é, a refeição acaba por sê-lo mercê de outras comidas que se completam - um prato pode não ser equilibrado em si mesmo, mas há que contar com a sopa e a sobremesa, para corrigir o que nele está desproporcionado) e a confecção não destrói o valor nutritivo dos alimentos nem degrada as gorduras.» A afirmação é de Pedro Moreira, nutricionista e professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Ele e o seu mestre, o médico e o professor Emílio Peres (já falecido), escreveram o capítulo «Cozinha gastronómica sadia» do livro As Nossas Boas Ementas: Gastronomia Sadia do Concelho de Loures, uma edição da Câmara Municipal, em que explicam que a maioria das receitas da nossa cozinha enquadra-se na tradição alimentar mediterrânica, muito mais sadia do que a dos povos da América do Norte. .Os segredos desta dieta, além das pequenas porções de alimentos ingeridas, assentam na «abundância de hortaliças, legumes e fruta de época, ao natural ou cozinhados com pouco tempo de lume; uso parcimonioso de gordura na confecção e tempero e preferência pelo azeite; abundância de alimentos fornecedores de amido (pão, massa, arroz, polmes de farinha, leguminosas secas, batata); porções modestas de pescado (com relevância para o bacalhau, sardinhas e peixe azul) e de carne (consumo de carnes vermelhas poucas vezes por mês)». Ou só em dias de festa. Os especialistas em nutrição também afirmam que, com excepção dos hidratos de carbono referidos, «só em dias de festa se admite o perigoso açúcar.».As virtudes da «dieta mediterrânica» surgiram após a constatação do investigador americano Ancel Keys de que os países banhados pelo mar Mediterrâneo tinham baixa incidência de doenças cardíacas. Estávamos na década de 1970 quando foi publicada a primeira edição do livro How to Eat Well and Stay Well with the Mediterranean Way (Como Comer Bem e Manter-se São à Maneira Mediterrânica) e desde então o nosso tipo de alimentação é usado como exemplo a seguir. O professor Pedro Moreira ajudou-nos a escolher alguns dos pratos da cozinha tradicional portuguesa de que não podemos prescindir no dia-a-dia, sobretudo em tempos de crise. .Sopa .A cozinha portuguesa é rica em «receitas» de sopas de legumes (feijão-verde, agriões, tomate, nabiças, espinafres, couve de vários tipos) e leguminosas (feijão, grão, ervilhas, favas). No passado, a batata era a base do caldo (hoje acrescentamos-lhe cebola, cenouras e abóbora) à qual se juntava os legumes de época, disponíveis na horta ou no quintal, sal e azeite. Os agricultores tinham por hábito comer sopa ao pequeno-almoço (primeiro-almoço) e em algumas regiões do país as sopas eram enriquecidas com enchidos e acompanhadas com pão. Há diferentes variedades de sopa. São nutritivas, saudáveis e económicas. É fundamental incentivar o seu consumo..Ingredientes: cenoura, batata, cebola, um pouco de sal e um fio de azeite. Para o caldo-verde: água, batata, alho, coentros, azeite e couve. .Açorda .As sopas de pão (duro) migado em água quente temperada com sal, alho, azeite e coentros ou poejos são um legado da cultura árabe. A açorda é o prato mais conhecido da gastronomia do Alentejo, onde continua a ser consumida em todas as casas, sobretudo no Inverno. No passado, as pessoas mais humildes acompanhavam a açorda com azeitonas e rábano, enquanto os mais abastados a serviam com ovos escalfados (no caldo da açorda), com pescada ou bacalhau cozidos (também na água da açorda). As açordas e as migas sempre permitiram um bom aproveitamento do pão duro. .Ingredientes: água, pão alentejano (duro), alho, azeite, sal, coentros ou poejos e ovos..Arroz de frango.O arroz chegou à Península Ibérica pela mão dos árabes. D. Dinis incentivou o seu cultivo e só depois o povo começou a ter acesso a este alimento. Até então, a farinha de arroz estava apenas ao alcance dos nobres, que a usavam para confeccionar o chamado manjar branco (um prato de farinha de arroz, leite, açúcar e galinha). A popularidade do arroz vingou a partir do século XVI, quando mulheres do povo passaram a vender arroz-doce nas ruas de Lisboa. .O arroz é um alimento imprescindível na cozinha portuguesa. Como entrada (canja), prato principal (arroz de carne ou peixe), guarnição (arroz de tomate, pimentos, grelos, ervilhas, cenoura, espinafres, etc.) e como sobremesa - arroz-doce, claro. Acessível e económico. .Ingredientes: frango, cebola, tomate (opcional), um fio de azeite, salsa, arroz, água. .Ovos escalfados com ervilhas.Perde-se no tempo a época em que ovos terão sido introduzidos na alimentação, mas em Portugal sabe-se que foi na Idade Média que começaram a ser considerados alimento a ingerir por pessoas doentes, sobretudo em gemada (gema batida com açúcar e leite ou vinho). Todos os grupos sociais tinham acesso a ovos, mas as pessoas juntavam várias dúzias para os usar em épocas festivas. Na gastronomia portuguesa, o ovo inteiro é presença obrigatória em vários pratos (ervilhas e grão). Na doçaria, o ovo é rei. .Ingredientes: ervilhas, azeite, chouriço, bacon (opcional), cebola, um dente de alho, água, tomate, salsa e ovos. .Massada de peixe.Quem introduziu a massa em Portugal e na Europa do Sul foram os árabes e desde que há memória que a mistura de farinha com água, sal e ovos constitui a base da alimentação do país. Já a história das massas alimentícias que usamos actualmente - esparguete, pene, cotovelos, aletria, etc. - remonta ao século XVIII. Na cozinha portuguesa, a maneira mais tradicional de confeccionar os pratos de massa é cozê-la em molhos de carne (massa com carne guisada) ou de peixe (massada). .Ingredientes: peixe (red fish, ou o que preferir), cebola, alho, tomate, sal, azeite, salsa ou coentros, água, massa. .Tripas.Conta a lenda que as famosas tripas à moda do Porto nasceram em 1415, depois de uma visita que o infante D. Henrique terá feito ao estaleiro onde se construíam as naus que iriam ser usadas na conquista de Ceuta. Preocupado com o andamento dos trabalhos, o infante terá pedido mais diligência ao que o mestre encarregado da construção lhe prometeu maior esforço e sacrifício, assegurando-lhe que a população também daria aos marinheiros toda a carne existente na cidade. Assim terá sido e só as tripas terão sobrado, que depois começaram a ser aproveitadas para comer com pão. Hoje, são servidas com feijão e constituem o prato mais característico do Porto..Ingredientes: feijão, água, cebola, azeite, cenouras, sal, tripas (dobrada), chouriço, salsa, louro, sal..Bacalhau à Gomes de Sá.Eis um prato cuja receita terá surgido no final do século XIX, no restaurante lisbonense do Porto, pelas mãos de um tal Luís Gomes de Sá, filho de um comerciante de bacalhau, que se terá tornado cozinheiro depois da falência dos negócios do pai. Todos os ingredientes da receita são produtos acessíveis (na altura, o bacalhau, juntamente com a sardinha, era peixe consumido pelo povo) e económicos..Ingredientes: bacalhau, batatas, azeite, alho, cebola, ovos, azeitonas, salsa, azeite, leite e pimenta. .Sardinhas assadas.Já os romanos as comiam, secas ou em farinha de peixe. Muito abundantes na costa portuguesa, as sardinhas - assadas, fritas ou secas, com sal - eram o peixe mais consumido pelo povo. Na Idade Média, quando os dias de abstinência de carne eram mais de metade dos dias do ano, a sardinha era a principal fonte de proteínas. .As sardinhas assadas, acompanhadas com batatas cozidas e salada de tomate, alface e pimentos, são um dos pratos típicos da cozinha portuguesa. .Ingredientes: sardinhas, batatas, sal, azeite, vinagre. Alface, tomate, cebola e pimentos..Favas à portuguesa.De norte a sul, já há muitos, muitos séculos que esta leguminosa faz parte da dieta dos portugueses. As favas frescas eram consumidas na Primavera e as que sobravam eram secas e depois usadas na preparação de sopas. Ricas em proteínas e hidratos de carbono, são um alimento nutritivo e muito acessível. Os enchidos usados na preparação do prato variam de região para região..Ingredientes: favas, bacon, chouriço, cebola, alho, louro, coentros, sal, azeite..Fontes: Cozinha Tradicional Portuguesa, Maria de Lurdes Modesto, Verbo; As Nossas Boas Ementas: Gastronomia Sadia do Concelho de Loures, Emílio Peres e Pedro Moreira; http://www.virgiliogomes.com/ e www.confrariadobaraodegourmandise.blogspot.com.