Covid-19 – o que podíamos ter aprendido com a diabetes

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Há um ano começávamos a ficar preocupados com uma nova infeção viral que já tinha extravasado o seu conhecido ponto de partida na China e que se manifestava já na Europa em quadros clínicos assustadores. Conhecemos bem tudo o que nos aconteceu desde então até aos dias de hoje e discutimos todos os cenários que o futuro nos pode trazer.

Desde o início que sabemos que as pessoas com diabetes representam um grupo de risco acrescido, especialmente as mais velhas, as que têm mais doenças, as que têm pior compensação da diabetes. É verdade para a covid-19, para a gripe, para as pneumonias, outras infeções, cancros, e quase para todas as doenças. Essa é a razão para defendermos a inclusão destas pessoas em regimes especiais de proteção no trabalho, nos acessos aos cuidados de saúde e ao atual programa de vacinação para a covid-19.

Mas talvez possamos fazer uma outra reflexão, que as pessoas com diabetes (e outras doenças crónicas), e os profissionais de saúde que as acompanham, conhecem muito bem. A resposta à pandemia...

As pandemias já não são há décadas episódios exclusivamente associados às doenças infecciosas. As doenças crónicas, e entre elas a diabetes, destacam-se como as grandes consumidoras de recursos de saúde e como ameaça aos sistemas de saúde, à economia global e ao desenvolvimento sustentável. São as pandemias que se estendem do século XX ao século XXI e para as quais não temos uma vacina ou outro "simples" tratamento.

Como respondem as pessoas ao seu diagnóstico de diabetes? Passam por fases de medo, revolta, choque, tristeza, aceitação, negação. Uma boa adesão inicial a medidas de tratamento é muitas vezes seguida por diferentes graus de abandono terapêutico. É a fadiga dos processos crónicos. Algo que parece ser uma novidade na nossa interpretação quanto à covid-19 - como podemos "negar" a nossa doença, como podemos não querer saber da sua prevenção ou do seu tratamento?

Como respondem muitas das pessoas à existência de pessoas com diabetes? Atribuindo a responsabilidade, a culpa pela sua situação (come mal, de mais, não se mexe) ignorando contextos pessoais, familiares, sociais. Não acontece o mesmo perante a covid-19?

Como respondem ainda os cuidadores? Com conselhos repetidos e repetitivos, com estratégias de comunicação baseadas na simples transmissão de informação, não emocional e não associada ao processo de motivação de cada um. Também na covid-19 esta tem sido a estratégia comunicacional fundamental associada a algo equivalente ao que se passa na doença crónica em que muitos profissionais ativamente procuram dar o seu ponto de vista, desintegrado de todos os outros.

Quais são os resultados na diabetes? Com décadas de experiência, estes processos estão estudados, ensinados e praticados hoje cada vez por mais profissionais de saúde - mas que também aqui reclamam por melhores condições para os porem em prática (também aqui, não é uma questão "só de mais ventiladores") e acusam o peso do cansaço, do burnout e da falta de reconhecimento do seu trabalho. Por isso, apesar de sermos um país com uma muito elevada prevalência de diabetes, temos vindo a melhorar nos resultados de saúde neste domínio.

Como são os resultados na pandemia por covid-19? Esquecemo-nos de que, um ano depois, este já é um episódio crónico e como tal assim deve ser tratado. É desejavelmente um processo contínuo de aprendizagem, de tentativa e erro, mas não precisamos de partir do zero. A diabetes, as doenças crónicas já nos deviam ter ensinado muitas coisas.

E já agora, quando ultrapassarmos esta pandemia (e vamos ultrapassá-la), também aprendemos que o Estado e os Estados são capazes de mobilizar todos os recursos para as debelar. O ideal seria que já tivéssemos aprendido essa lição anteriormente através da uma outra forma de encarar a diabetes e com a disponibilização de mais meios para combater a doença. Não aconteceu antes, mas era disso que precisávamos e é isso que vamos exigir no futuro.


Presidente da SPD - Sociedade Portuguesa de Diabetologia

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