"Hoje descobrimos se Bolsonaro é cúmplice ou honesto", diz deputado que denunciou Caso Covaxin
"Hoje a gente descobre se o Bolsonaro é cúmplice ou honesto", disse o deputado Luís Cláudio Miranda (DEM), depois de ter informado o presidente da República de um aparente caso de corrupção em torno da aquisição da vacina indiana Covaxin pelo governo brasileiro, denunciado pelo irmão, o funcionário público Luís Ricardo Miranda. O deputado, apoiante de Bolsonaro, confessou ter ficado "dececionado" ao saber da "omissão" do chefe de estado no escãndalo.
As mensagens foram divulgadas nesta sexta-feira, dia 25, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal do Brasil que apura a responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro nos mais de 510 mil mortos por covid-19 no país. Os dois irmãos Miranda foram ouvidos na qualidade de testemunhas.
O deputado, que chegou ao Congresso Nacional para depor vestido com um colete à prova de balas, disse ainda que "um dia, Bolsonaro vai pedir perdão" e que o seu colega parlamentar Eduardo Bolsonaro também foi informado da suposta corrupção.
O irmão, por sua vez, denunciou três funcionários públicos, o tenente-coronel Alex Leal Marinho, Roberto Ferreira Dias e o coronel Marcelo Bento Pires, de terem exercido pressão fora de vulgar pela aprovação da importação da vacina.
O escândalo começou quando Luís Ricardo Miranda, ex-chefe de Importação do ministério, relatou, em depoimento ao Ministério Público Federal, pressão atípica dentro da pasta pela aquisição de doses da vacina indiana Covaxin a um preço 1000% superior ao anunciado pelo fabricante seis meses antes.
O contrato foi assinado em fevereiro, ainda durante a gestão do general Eduardo Pazuello, o já demitido ministro da Saúde que deve passar de testemunha a acusado na CPI. Segundo as negociações, o Brasil deveria pagar 15 dólares por cada uma das 20 milhões de doses da vacina produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, num total de 1,6 mil milhões de reais investidos. No entanto, tomando em consideração o preço anunciado pelo fabricante seis meses antes, houve um encarecimento da vacina de 1000%, revelou notícia do jornal O Estado de S. Paulo.
Embora utilizando uma tecnologia menos avançada do que a Pfizer, a vacina do laboratório norte-americano, assim como as outras adquiridas pelo governo brasileiro, como Sputnik V, Coronavac, Janssen ou AstraZeneca, são substancialmente mais baratas do que a Covaxin.
A Covaxin, entretanto, foi alvo de questionamentos da Anvisa, a autoridade sanitária brasileira, por falta de dados mínimos exigidos para análise e de certificado de boas práticas de fabricação. Só a 9 de junho o órgão estatal deu luz verde para a sua aquisição. Causa estranheza, portanto, a rapidez com que o governo quis adquirir o imunizante indiano depois de ao longo da pandemia Bolsonaro ter ignorado por meses e-mails da americana Pfizer, por temer efeitos colaterais, e da Coronavac, que se recusou a comprar e é hoje a vacina mais usada pelos brasileiros.
Por outro lado, o contrato da aquisição da Covaxin recorreu a um intermediário, a empresa Precisa Medicamentos, cujo administrador, Francisco Maximiano, preside a outra, Global Gestão em Saúde, a responder a processos por irregularidades em contratos com o ministério da Saúde. Todos os outros contratos por vacinas foram assinados diretamente com os laboratórios, sem recurso a intermediários.
Para finalizar, os prazos fixados para a chegada dos imunizantes ao Brasil foram esgotados sem que nenhuma dose tenha sido entregue.
Do preço, da pressa e do intermediário falou Luís Ricardo Miranda ao Ministério Público, em depoimento de 31 de março. O funcionário da área de importação do ministério da Saúde queixou-se de ter sofrido "pressão incomum" para garantir a importação da vacina, ao contrário do que sucedeu nos contratos com os outros imunizantes. "Nesse caso, sim, sobre a Covaxin eu tenho recebido muitas mensagens, de vários setores do ministério, da Secretaria Executiva, da própria coordenação onde eu trabalho, perguntando o que falta para fazer essa importação, inclusive sábado e domingo, sexta às 11 horas da noite", afirmou em depoimento reproduzido pelo jornal Folha de S. Paulo e repetido na CPI.
O deputado Luís Cláudio Miranda, irmão de Luís Ricardo, afirmou entretanto que alertou pessoalmente o presidente da República, de quem é apoiante, das aparentes irregularidades, no dia 20 de março, 11 dias antes daquele depoimento. E que Bolsonaro prometeu agir mas nada fez.
A reação do governo às declarações dos dois irmãos, na quarta-feira, dia 23, foi enérgica: mas em vez de investigar a denúncia, como se previa, mandou investigar os denunciantes. "Deus está vendo", disse o ministro da secretaria-geral da presidência Onyx Lorenzoni, referindo-se ao deputado Luís Cláudio Miranda. "Mas o senhor não vai só se entender com Deus, mas com a gente também. E vem mais. O senhor vai explicar e pagar pela irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela denunciação caluniosa e pela produção de provas falsas".
No entanto, aquilo a que o ministro se referiu como "prova falsa", uma cópia de uma fatura de importação da vacina indiana, está no sistema eletrónico do ministério, conforme noticiou o jornal O Globo, que teve acesso ao documento.
Na quinta-feira, 24, algumas horas antes dos irmãos serem ouvidos na CPI, Bolsonaro admitiu a reunião com o deputado Luís Cláudio Miranda ao mesmo tempo em que tentou desqualificá-lo. "Daí, quatro meses depois ele resolve falar para desgastar o governo. Esteve andando de moto em Brasília, esteve aqui conversando comigo, abro portas do Alvorada para todo mundo. De repente, o cara "vapt"", disse. "Mas esse deputado aí tem uma ficha, um prontuário bastante extenso..."
O presidente do Brasil reafirmou também que não existe corrupção no seu governo. No mesmo dia, porém, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demitiu-se depois de passar um mês no cargo sob investigação por contrabando e corrupção. Marcelo António, titular do Turismo, só saiu após um ano acusado de corrupção num caso de desvio de verbas eleitorais.
Sergio Moro abandonou o ministério da Justiça e da Segurança Pública acusando o presidente de aparelhar as polícias. E o caso da "rachadinha", escândalo milionário de desvio de salários de assessores, atinge não só o senador Flávio Bolsonaro, primogénito do presidente, como Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, destinatária de 27 depósitos do operador do esquema, o ex-polícia Fabrício Queiroz.