Costa: "Nunca revelei, por mim ou por heterónimos nos jornais, as conversas com o PR"

Costa fez questão de dizer que não aprecia que as conversas entre Presidente da República e primeiro-ministro sejam tornadas públicas e considerou ainda "curioso" ter sido noticiado que foi Lucília Gago escreveu parágrafo que provocou a sua demissão.
Publicado a
Atualizado a

O primeiro-ministro afirmou este sábado não se recordar de ter falado publicamente sobre quem chamou ao Palácio de Belém a procuradora Geral da República e salientou que nunca transmite por heterónimos conversas com o Presidente da República.

Estes recados foram transmitidos por António Costa a meio da reunião da Comissão Nacional do PS, no Parque das Nações, em Lisboa, depois de confrontado com o facto de o Presidente da República ter dito em Bissau, na sexta-feira, que foi o primeiro-ministro quem lhe pediu para chamar Lucília Gago ao Palácio de Belém para esta lhe dar explicações sobre o processo em que o ainda líder do executivo está envolvido.

Marcelo Rebelo de Sousa fez questão depois de assinalar que esse pedido já tinha sido mencionado publicamente pelo primeiro-ministro, mas António Costa, este sábado, pediu aos jornalistas para se certificarem de alguma vez ele próprio já ter publicamente falado sobre essa questão.

Costa começou por acentuar uma questão de princípio: "Em oito anos como primeiro-ministro, tenho o princípio que nem por mim, nem por heterónimos que escrevem nos jornais, dizer o que acontece nas conversas entre mim e o senhor Presidente da República - e agora não vou alterar seguramente esta prática".

"As conversas entre o Presidente da República e o primeiro-ministro não são conversas entre duas pessoas que se conhecem, mas entre dois titulares de órgãos de soberania. No dia em que um começa a achar que pode dizer o que o outro disse, ou o que o outro não disse, seguramente as relações entre órgãos de soberania correrão com menor fluidez", advertiu António Costa.

Pela sua parte, António Costa disse crer que, ao longo dos últimos oito anos, "ninguém registou qualquer falha no sentido de manter uma relação absolutamente impecável com todos os órgãos de soberania".

"Assim me manterei até ao último dia das minhas funções", completou.

Interrogado pelos jornalistas se alguma vez falou publicamente sobre o facto de ter pedido ao Presidente da República para que chamasse Lucília Gago ao Palácio de Belém, o líder socialista devolveu a pergunta.

"Terão de perguntar ao senhor Presidente da República que comentário público terei feito, mas não me ocorre nenhum. Se fiz algum comentário público, ninguém melhor do que os senhores jornalistas [que] estarão aqui, para saber que comentário fiz ou não. Se fiz um comentário público, então fi-lo seguramente perante vossas excelências" acrescentou.

O primeiro-ministro caracterizou como curioso o facto de ser noticiado que o último parágrafo do comunicado da PGR que o envolve num processo judicial e que provocou a sua demissão foi escrito por Lucília Gago, contrapondo que é suposto que assim aconteça.

"A única coisa que sei é de um último parágrafo de um comunicado da PGR que, segundo o jornal Expresso, terá sido escrito pela senhora procuradora Geral da República, o que é uma notícia curiosa porque a ninguém pareceria que não fosse assim. É daquelas notícias que mais dúvidas suscitam", afirmou.

Ou seja, para António Costa, é suposto que seja Lucília Gago a responsável pelo comunicado inteiro e, consequentemente, por esse parágrafo, razão pela qual considerou estranho a autoria desse último parágrafo do comunicado ter sido objeto de notícia com destaque.

Nesse parágrafo, a PGR escreveu o seguinte: "No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido".

"Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente", adiantava-se na nota divulgada pela PGR.

Ainda sobre o processo judicial que o envolve, António Costa reiterou a ideia de que o desconhece "em absoluto".

"A não ser aquilo que a comunicação social vai informando. A senhora procuradora Geral da República entendeu dar nota pública que há um processo aberto contra mim e, quem exerce as funções de primeiro-ministro, não pode estar sob suspeita, muito menos num processo criminal", insistiu.

Neste ponto, repetiu a sua tese, dizendo que "aquilo que ocorre na justiça deve ser tratado na justiça".

O secretário-geral socialista caracterizou como uma irresponsabilidade a abertura de uma crise política, apontou instabilidade na direita e afirmou esperar que o Presidente da República não seja forçado a dissolver mais vezes o parlamento.

António Costa tentou sobretudo acentuar eventuais consequências negativas da crise política numa conjuntura complexa no plano internacional.

"O PS tem todas as condições para ganhar as eleições, já que a direita apresenta uma alternativa de instabilidade. Mesmo uma maioria parlamentar aritmética de direita dependente do Chega nunca será uma maioria governativa, porque o Chega não é um partido igual aos outros", defendeu.

O ainda líder do executivo referiu-se, não apenas à ideologia no Chega, de extrema-direita, mas também ao comportamento dos dirigentes desta força política, razão pela qual, na sua perspetiva, este partido "será um fator permanente de instabilidade".

"Aquilo que todos desejamos, seguramente, é que esta tenha sido a última dissolução do atual Presidente da República e que o chefe de Estado não fosse confrontado com a necessidade de fazer novas dissoluções no futuro", advertiu.

Para António Costa, esta dissolução da Assembleia da República "foi totalmente despropositada e desnecessária, mas - pronto - está feita".

"Agora, ser forçado a outra, isso não. Por isso, é essencial que a direita não seja maioritária na Assembleia da República e que possam existir outras soluções. O Chega não existe para governar, o Chega existe para contestar e para perturbar", acentuou.

Deixou ainda outro recado, este dirigido ao PSD: "Que ninguém pense que lá por fazer um acordo com o Chega e ter uma maioria na Assembleia da República cria condições de governabilidade".

"Não cria. Pelo contrário, é um fator de enorme ingovernabilidade", sustentou.

Costa advertiu os dirigentes do seu partido que não devem intrometer-se no tempo da justiça até às eleições legislativas, mas, antes, devem concentrar-se no tempo dos portugueses, respondendo aos seus problemas.

"Cabe ao PS não se intrometer no tempo da justiça, mas concentrar-se no tempo dos portugueses. E o tempo dos portugueses exige resposta aos problemas que estão em curso, num cenário internacional que é muito pesado e que em tudo recomendava que tivesse havido bom senso em não ter desencadeado esta crise política", declarou.

Uma vez desencadeada a atual crise política, de acordo com o secretário-geral socialista, "o PS tem de fazer como nas últimas eleições legislativas".

"O PS tem de falar aos portugueses e mobilizar os portugueses. Tal como os portugueses resolveram a última crise política irresponsável, agora devem também resolver a nova crise política irresponsável", frisou.

Em relação aos três candidatos à sua sucessão no cargo de secretário-geral do PS, António Costa elogiou por igual Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro e salientou que não irá interferir nesta luta interna.

"O PS deve aproveitar este debate interno para renovar ideias, corrigir erros e apresentar-se aos portugueses de forma unida e capaz de assegurar uma vitória nas eleições de 10 de março".

"Não me ficava bem, estar agora a intervir na escolha de quem me vai substituir. Além do mais, dos três candidatos, houve dois com quem trabalhei com grande proximidade", observou.

António Costa referiu depois ter "admiração e estima por José Luís Carneiro e por Pedro Nuno Santos".

"Conheço as qualidades de ambos e não tenho dúvidas de que qualquer deles será um excelente secretário-geral do PS e, sobretudo, um ótimo primeiro-ministro", acrescentou.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt