Costa do Marfim. Os meninos do futebol

Mala de viagem (46). Um retrato muito pessoal da Costa do Marfim
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No hotel, assisti pela televisão a uma entrevista a Didier Drogba, o mais conhecido futebolista costa-marfinense. Discutia-se o futuro do futebol no seu país e no continente africano. Falava-se do que se sabe quanto às especificidades físicas inerentes do jogador africano e às qualidades mentais adquiridas ao longo da infância por causa dos imensos desafios que enfrentam. Já terminou a era dos grandes jogadores africanos concentrados em poucos países de origem, como a Costa do Marfim, dado que têm surgido de outros países. Drogba referia a importância de desenvolver as condições táticas e técnicas do futebolista a par do seu desenvolvimento como ser humano, defendendo a criação de mais academias em África, à semelhança do que se tem feito na Mimos Sifcom Academy, na Costa do Marfim, pertencente à Asec de Abidjan. Criado por Roger Ouégnin e Jean-Marc Guillou, em 1993, este centro de treino passou a ser um modelo, integrando jogadores e académicos. A vida na academia permite aos primeiros adquirirem os fundamentos básicos de respeito, disciplina e rigor. Existem instalações médicas, bem como escolas para garantir que todos os graduados tenham pelo menos o nível mínimo de educação no ensino fundamental. Que alguns jogadores não consigam manter a sua promessa inicial, é inevitável, mas mesmo uma carreira profissional frutífera de alto escalão não pode compensar um fracasso posterior devido a diferentes causas. O ensino deve antecipar estes momentos e capacitar psicologicamente os jogadores para essa possibilidade. A Mimos Sifcom tem uma enorme vantagem sobre a maioria das outras academias da região. O ASEC Mimosas é o clube mais famoso da Costa do Marfim, onde os seus jogadores podem desenvolver um entendimento inicial do futebol competitivo sem a necessidade de se deslocarem, ainda jovens, para o continente europeu. No entanto, é totalmente irreal esperar que os mais promissores limitem as suas ambições de carreira à Costa do Marfim. Geralmente, as academias têm ligações com clubes locais e também com clubes estrangeiros, oferecendo a possibilidade aos seus jovens de progredirem nas suas carreiras. Porém, oferecer riquezas instantâneas aos jogadores pode corromper o rumo da carreira de um jovem. Deve ser garantida a administração educativa por meio de uma progressão gradual para os holofotes dos grandes clubes europeus. Assim sendo, as academias que formam os jovens jogadores não poderiam sobreviver sem uma fonte estável de rendimento com a venda dos mais capazes, porque o dinheiro fala. O sucesso da Costa do Marfim no futebol passou, de facto, pelos métodos desta academia, na área e na hora certas. É o futebol ao serviço de um país, que também está no topo do mundo como produtor e exportador de cacau, noz de cola, castanha de caju e inhame. O país já foi considerado o "milagre económico de África", também a fazer fé nos arranha-céus que rodeiam o meu hotel em Abidjan.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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