Corte de gorduras pode pagar 45% do custo da guerra e crise de energia

João Leão ainda teve tempo para triplicar valor da meta da revisão da despesa pública em 2022. No Programa de Estabilidade de 2021 era 80 milhões de euros, agora é 237 milhões.
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A previsão do governo para o valor em poupanças com revisão da despesa pública e ganhos de eficiência, também conhecida por corte de gorduras no Estado e nas empresas públicas, triplicou entre os dois últimos Programa de Estabilidade (PE).

Este valor, que já vinha no Orçamento do Estado de 2022 (o OE2022, que chumbou) e foi agora reafirmado no novo PE 2022-2026, ascende a poupanças de 237 milhões de euros só este ano. Se assim for, estes ganhos na despesa podem ajudar a pagar quase metade do impacto anual orçamental (em 2022) previsto até agora por causa da guerra na Ucrânia e a crise energética.

Segundo o PE 2022, que terá sido entregue ao Parlamento quase à meia-noite da passada sexta-feira, mas só ontem viu a luz do dia, o "impacto orçamental" dos fatores "Ucrânia e crise energética" rondará os 524 milhões de euros só este ano, mostram as últimas e derradeiras contas de João Leão como ministro das Finanças.

Como referido, o valor previsto em cortes de gorduras e ganhos de eficiência pode chegar a 237 milhões, mas Leão considera que as medidas têm uma dimensão estrutural, gerando assim emagrecimentos na despesa durante anos.

Mais cerca de 60 milhões de euros ao ano entre 2023 e 2026 inclusive, indica o PE. Ou seja, na versão deste ministro das Finanças que vai ser substituído por Fernando Medina, será possível cortar gorduras no valor de quase 500 milhões de euros nesta nova legislatura.

A mais recente medida do governo com objetivo de racionalização é a decisão de concentrar vários ministérios na sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que tem, há anos, alas vazias.

"O primeiro-ministro decidiu avançar com a concentração de ministérios num só espaço físico", neste caso, "os ministérios com responsabilidade direta na execução do Plano de Recuperação e Resiliência serão os primeiros a concentrar-se, o que deverá acontecer até ao final do ano 2022 na atual sede da Caixa ", um edifício de enorme dimensão entre o Campo Pequeno e o Areeiro, em Lisboa. "Estes ministérios ficarão sob coordenação da Presidência do Conselho de Ministros".

A partilha e grande proximidade dos gabinetes dos ministros e dos secretários de Estado que vão lidar diretamente com o PRR visa reduzir ineficiências, custos de transporte e perdas de tempo em deslocações, maior rapidez nas decisões.

Os ministérios que em 2022 vão mudar para o espaço da CGD são Presidência (ministra Mariana Vieira da Silva), Infraestruturas (Pedro Nuno Santos), Economia (António Costa Silva), Ambiente (Duarte Cordeiro) e Coesão (Ana Abrunhosa). Mais tarde, mas talvez já não este ano, o plano é também transferir a Agricultura (Maria do Céu Antunes).

Mas há mais medidas. Segundo o governo, é possível obter mais "ganhos de eficiência na aquisição de bens e serviços", "otimizar a gestão do património imobiliário", "reforçar a capacidade dos serviços públicos em responderem a pressões do lado da procura através de realocação interna de recursos humanos", "aumentar a produtividade dos serviços, nomeadamente por reconfiguração de processos e eliminação de atividades redundantes" e "identificar medidas geradoras de recuperação de receitas próprias".

Para motivar os governantes e chefes de serviços, as Finanças defendem que se deve premiar os que forem melhores a cortar.

"As iniciativas identificadas neste âmbito, que se traduzam em redução de despesa numa ótica consolidada, são elegíveis para efeito de candidatura ao Sistema de Incentivos à Eficiência da Despesa Pública, podendo, no caso de aprovação da candidatura, beneficiar entidades e respetivos colaboradores com atribuição de prémios financeiros e institucionais", explicavam as Finanças no OE2022.

O novo PE também serviu para reafirmar as grandes metas que João Leão desvendou na sexta.

Uma meta de défice público de 1,9% do produto interno bruto (PIB) para este ano, mas quem terá de cumprir este objetivo é o seu sucessor, Fernando Medina.

O ministro que está de saída diz que é possível chegar a esse défice porque a economia vem com um impulso de crescimento bom de 2021 e este ano deve conseguir crescer 5% em termos reais.

Na dívida, também há muita ambição no Programa de Leão. A meta inscrita no reporte dos défices e da dívida publicado pelo INE é chegar a um rácio de dívida pública de 120,8% do PIB no final deste ano. Também esta meta é mais ambiciosa do que a que figurava no OE2022 de outubro passado (122,8% no final deste ano).

E disse mais: com o legado de "contas certas" e de Finanças arrumadas, João Leão considera perfeitamente razoável que Fernando Medina reduza o rácio da dívida pública para perto de 100% em 2026, no final da legislatura.

CFP arrasa programa de Leão

Quem apreciou pouco o novo PE foi Nazaré Costa Cabral, a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP).

Numa opinião ontem divulgada, o CFP diz que o "cenário subjacente ao Programa de Estabilidade" tem como "únicas medidas incluídas o PRR e as subjacentes ao OE2022". De resto, "esse cenário corresponde a uma projeção macroeconómica em políticas invariantes, não se tratando, pois, de uma previsão por não incorporar as medidas de política a adotar", contrariando o disposto na lei.

Assim, o Conselho "entende não estarem reunidas as condições para apreciar esse cenário macroeconómico subjacente a esse documento" e "faz votos para que o XXIII Governo Constitucional apresente um efetivo Programa de Estabilidade", "traçando não apenas as diferentes medidas de política, mas também as linhas de evolução e limites máximos, no médio prazo, da despesa pública associada a essas mesmas medidas".

"Só assim ele será um verdadeiro programa [...] e um instrumento de responsabilização política", atira o CFP.

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