"Coreia do Sul planeia expandir fontes de energia renovável, com lacuna a ser preenchida pelo nuclear"

A embaixada sul-coreana em Portugal e o Ministério do Ambiente e Ação Climática organizaram em dezembro, no Museu da Eletricidade, a Conferência Coreia-Portugal de Energias Renováveis e Economia Circular. Dong Won Shin, do Instituto Ambiental da Coreia (KEI), é um dos especialistas que veio até Lisboa explicar os desafios nesta matéria para um país asiático fortemente industrializado e que é a décima economia mundial.
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O novo governo coreano é mais a favor da energia nuclear do que o anterior. E que sente a opinião pública coreana? A popularidade da energia nuclear foi afetada pelo acidente de Fukushima, há uma década, no vizinho Japão?
A energia nuclear representou 27% da geração de energia da Coreia do Sul em 2021. Depois do acidente de Fukushima, no Japão, ter afetado a opinião pública coreana sobre a importância da falta de transparência na segurança energética que existia até há poucos anos, a política energética mudou no sentido da eliminação gradual da energia nuclear. No entanto, a Coreia do Sul revelou recentemente planos para aumentar a quantidade de energia nuclear na sua matriz energética nacional para 30% até 2030. Há muitas razões para isso, mas a decisiva é a segurança energética. As novas políticas energéticas reduzirão a dependência da Coreia do Sul das importações de combustíveis fósseis de 81,8%, em 2021, para 60%, em 2030. Porém, as renováveis irão valer apenas 22% da geração de potência do país em 2030 (menos 9 pontos percentuais do que o previsto pelo governo anterior). Isto está a preocupar as indústrias do país, que lutam para garantir o fornecimento estável de energia renovável doméstica ao mesmo tempo que têm de lidar com a pressão de clientes e investidores para descarbonizar as operações. A nova política energética está intimamente ligada não apenas às questões de segurança energética, mas também à questão do carbono neutro. Atualmente, a Coreia do Sul obtém quase dois terços da sua energia dos combustíveis fósseis. Algumas pessoas acreditam que o uso da energia nuclear pode ser o caminho que devemos seguir para atingir a nossa meta de zero líquido. O governo também anunciou que a energia nuclear seria incluída na taxonomia verde da Coreia do Sul, uma lista de atividades económicas classificadas publicamente como ambientalmente sustentáveis. A decisão tomou como referência a taxonomia da União Europeia, que rotula a energia nuclear como verde. Alguns pensam até que, devido ao esforço excessivo para eliminar a energia nuclear, a melhor tecnologia nuclear do mundo foi destruída. Nas áreas rurais, muitas comunidades não querem projetos de energia renovável perto de aldeias ou de terras agrícolas. Os crescentes conflitos entre empresas de energia verde e comunidades levaram os políticos a atrasar ou até mesmo rejeitar projetos renováveis. Mais de 90% da população reconhece a mudança climática como uma grande ameaça ao seu país. Muitos jovens ativistas processaram o governo por não impedir que as mudanças climáticas ameacem o seu futuro. No entanto, os coreanos ainda estão divididos em relação à energia renovável e os sentimentos confusos do público acabam por não pôr pressão sobre o governo. A opinião pública dividida significa que autoridades e empresas não se sentem pressionadas a adotar uma estratégia mais ambiciosa para as energias renováveis.

Como é que a indústria coreana está a lidar com a necessidade de mudar do petróleo e do gás para as tais energias mais verdes?
A Coreia do Sul tradicionalmente contou com energia barata para abastecer as indústrias manufatureiras, o que levou a uma dependência dos combustíveis fósseis e da energia nuclear. Muitas indústrias manufatureiras estão a tentar mudar para fontes de energia renováveis. Também estão a tentar melhorar a eficiência energética e encontrar maneiras de reduzir os gastos de energia. Gigantes industriais como a Samsung Electronics e a Hyundai Motors assinaram o RE100, uma iniciativa global de empresas comprometidas com o fornecimento de 100% de eletricidade renovável até 2050, com uma meta intermédia de pelo menos 60% até 2030. Contudo, a lentidão no progresso das energias renováveis e a continuada confiança nos combustíveis fósseis serão barreiras para alcançar o RE100. Ainda assim, os combustíveis fósseis (82,5%) dominam a matriz energética. A Coreia do Sul importou a maior parte do seu suprimento de energia do exterior. Apesar de planear encerrar todas as suas centrais a carvão para cumprir o Acordo de Paris, a Coreia do Sul está neste momento a construir uma nova central a carvão. Até que as energias renováveis se tornem mais barata s do que a energia nuclear e o combustível fóssil, pode ser difícil atingir a meta para o RE100. No entanto, alguns investimentos em tecnologia verde que a Coreia do Sul fez precocemente começaram a dar frutos. Várias empresas sul-coreanas são líderes em vários mercados de tecnologia verde, incluindo o crescente setor de baterias recarregáveis - liderado por empresas como a LG Energy Solution, a SK Innovation e a Samsung SDI. O potencial de crescimento do setor é enorme, visto que as baterias recarregáveis são uma parte essencial da maioria das indústrias verdes. A empresa Han- wha Q CELLS ocupa o primeiro lugar na venda de módulos solares fotovoltaicos. Em paralelo, empresas como a CS Wind Corporation e a Dongkuk S&C são participantes importantes no mercado global de torres de turbinas eólicas. A Coreia do Sul também é uma das pioneiras no desenvolvimento de projetos de hidrogénio, e um grupo de cinco importantes empresas sul-coreanas revelou planos conjuntos para investir mais de 38 mil milhões de dólares em tais empreendimentos até 2030. Algumas empresas sul-coreanas já estão ativas no desenvolvimento da indústria de hidrogénio verde globalmente, especialmente nos Emirados Árabes Unidos e na Austrália.

E na população em geral? Existe uma consciência ecológica no país?
Até recentemente, a maioria dos sul-coreanos não via a crise climática como uma preocupação quotidiana. Mas hoje, a história é muito diferente. A transição energética corresponde ao desejo do público por uma sociedade segura e limpa. Além disso, tem o potencial de ser uma fonte de inovação e uma força motriz que cria novas indústrias e empregos. No entanto, a energia renovável pode entrar em conflito com outros interesses verdes. Conciliar o conflito entre o desenvolvimento de energia renovável e a biodiversidade é uma questão recorrente na Coreia, uma vez que as pessoas se preocupam tanto com o desenvolvimento de energia renovável, quanto com a conservação da biodiversidade. No entanto, apesar da necessidade de adotar uma abordagem coesa em relação às duas preocupações ambientais, da mudança climática e biodiversidade, não é fácil descobrir como os objetivos da transição para a energia verde podem ser alinhados com as metas de conservação da biodiversidade sem que uma questão ambiental se sobreponha à outra.

Em que tipo de energia renovável é a Coreia do Sul mais forte?
A produção renovável aumentou constantemente. A participação atual da energia renovável na geração de eletricidade é de apenas 6,3% na Coreia - cerca de 3% solar, 1% eólica e outras 2%. Por outro lado, o carvão contribui com 36%, o gás com 27%, e a energia nuclear com 29%. Mas, em comparação com 2017, a parte de energia renovável no fornecimento aumentou para o dobro em 2021. Em comparação com outros países asiáticos, as participações na geração de eletricidade limpa são bastante diferentes. A geração hidroelétrica é menor, a participação da energia nuclear é mais elevada, mas semelhante a outros países, e a energia solar está a expandir-se. Devido à sua posição inicial e ao regresso da energia verde nos últimos dois anos, a Coreia do Sul enfrenta uma tarefa mais desafiadora do que muitas outras nações. Portanto, o novo governo planeia os próximos passos introduzindo novas fontes de energia, como hidrogénio e amónia.

A chamada economia circular é popular entre os coreanos?
Embora a Coreia tenha uma taxa de reciclagem muito alta para recursos como plástico ou alumínio, tem de haver uma mudança fundamental na forma como produzimos e consumimos, para reduzir os aterros e o desperdício. Portanto, a economia circular, uma nova maneira de projetar, produzir e consumir dentro do contexto de recursos finitos, está a tornar-se popular não apenas para os ativistas, mas também para os governos e os responsáveis por políticas públicas. A Coreia definiu planos de economia circular que usam produtos e materiais o maior tempo possível e visa eliminar o desperdício por meio do design s uperior de materiais, produtos, sistemas e modelos de negócios. Além disso, inclui a promoção do uso de energia renovável e a eliminação do uso de produtos químicos tóxicos.

Como é que a guerra na Ucrânia está a afetar a economia coreana, em geral, e especialmente as políticas energéticas?
A economia da Coreia depende fortemente das importações de energia e as famílias são sensíveis aos preços da energia. Os preços mais altos da energia afetam a macroeconomia da Coreia sob a forma de inflação e na balança comercial. Tal como outros importadores de energia, a Coreia do Sul está a sofrer com a guerra em curso devido à alta inflação e às piores condições comerciais. No entanto, como um importante exportador de produtos petroquímicos refinados, a Coreia do Sul reduziu significativamente as suas importações de petróleo da Rússia e essa tendência provavelmente continuará. Ao mesmo tempo, as importações de GNL e carvão caíram, mas a um ritmo mais lento devido à alta dependência de energia gerada pelos combustíveis fósseis. Como em muitos países, a inflação representa um risco para a economia coreana. O aumento da inflação nos preços ao consumidor para mais de 4,1% (numa base anual) em conjunto com o aumento dos custos de energia representa uma ameaça maior, embora esteja muito abaixo dos Estados Unidos ou da União Europeia. De facto, as importações aumentaram, pois os preços do petróleo importado aumentaram mais de 72%. O banco central aumentou a sua taxa de juros-base para conter a inflação e o endividamento das famílias. As taxas de juros mais altas afetarão especialmente o consumo das famílias altamente endividadas e o setor imobiliário. A Coreia do Sul planeia expandir as suas fontes de energia renovável, com a lacuna prevista provavelmente a ser preenchida pela energia nuclear. Dado o seu valor como fonte de energia confiável e acessível, espera-se que a energia nuclear se torne um ponto central cada vez mais crucial para o governo no curto prazo.

Como descreve o trabalho do seu Instituto Ambiental da Coreia - KEI?
O KEI foi criado para contribuir para a prevenção e solução de problemas ambientais através da pesquisa de política ambiental e de uma revisão profissional e justa da avaliação de impacto ambiental (EIA). Somos um instituto de pesquisa financiado pelo governo no campo da política ambiental, sob o gabinete do primeiro-ministro. Sempre nos dedicámos à pesquisa para preservar o nosso meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável. Estudamos políticas ambientais e técnicas de gestão, estabelecemos planos de gestão ambiental e avaliamos o desempenho das políticas ambientais. Também realizamos profissionalmente os relatórios de avaliação de impacto ambiental e reavaliação de EIA e revemos os aspetos ambientais. Por outro lado, procuramos fornecer ao público e aos especialistas informação ambiental, formação em políticas ambientais. No KEI, especialistas de várias áreas estão a trabalhar juntos para sustentar os ecossistemas, manter o ar e a água limpos e tornar a nossa vida mais segura e agradável. Prometemos prestar atenção aos cidadãos e responsáveis políticos e esforçar-nos para resolver e prevenir problemas ambientais com base em pesquisas científicas e baseadas em dados.

leonidio.ferreira@dn.pt

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