Coragem, Svetlana Tikhanovskaya

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Não sei se vos tem acontecido o mesmo, mas tenho acompanhado a visita a Portugal de Svetlana Tikhanovskaya, líder da oposição bielorrussa, com uma tremenda admiração. O país vive um endurecimento pós-eleitoral que levou à cadeia mais de trinta mil pessoas, há centenas de presos políticos, tortura prisional, violação de direitos humanos, um aparelho de segurança interna implacável e que condiciona a luta pacífica dos milhares que marcham há meses nas ruas das principais cidades, sob nevões se for preciso.

É uma luta admirável num continente europeu mergulhado num negativismo pandémico, no qual se atribui à democracia uma condição imutável e sempre evolutiva. Nada mais falso. Estamos a atravessar um outono democrático no mundo inteiro, com mais regimes autoritários ou iliberais do que democracias plenas, contexto que exige um compromisso coletivo e ilumina ainda mais o exemplo da luta na Bielorrússia.

Não é todos os dias que se ouve alguém dizer que "o que se passa é uma dor nossa, somos responsáveis pela situação", ao mesmo tempo que procura liderar uma transformação democrática pacífica a partir do exílio, com o marido preso há nove meses, dois filhos ao cuidado e nenhuma experiência política. Pois vos digo: todas as frases de Svetlana que tenho lido na imprensa nacional nestes últimos dias, ou na internacional nos últimos meses, são reveladoras de uma maturidade política fora do vulgar, um misto de genuinidade com sensatez da missão que, como ela diz, a colocou líder de uma revolução "porque o destino me pôs aqui". Há despojamento de cargos futuros, recusa em atacar de forma voluntarista uma potência decisiva como a Rússia, evitando atirar mais gasolina para a situação. O caso bielorrusso não é igual à revolução ucraniana.

E há humanidade nas palavras, sentido de diálogo com a nomenclatura do regime cujos tribunais vierem no futuro a ilibar, e uma noção clara das valências da União Europeia, assim como dos seus dilemas decisionais. Há pistas sobre passos concretos a dar, sem cair no erro de provocar a irreversibilidade do processo, afinal de contas são novas eleições que a motivam, não a queda à força de Lukashenko. É uma ideia paciente de legitimidade eleitoral reforçada em detrimento da pressa revolucionária para travar rapidamente o sofrimento de muitos presos. Podemos imaginar a disputa interior que estas duas abordagens não devem suscitar em Svetlana, daí valorizar ainda mais a sua maturidade. Há líderes assim: naturais, carismáticos, com uma história de vida comum entretanto atropelada pelos acontecimentos. Tikhanovskaya é já uma grande líder internacional. Merece todo o nosso apoio, todas as ações que a UE e os EUA possam coordenar para apoiar a sociedade civil bielorrussa, os seus media independentes, grupos de direitos humanos, alargando o número de oficiais do regime sob alçada de sanções económicas e financeiras.

Nós, restantes europeus, temos a obrigação de fazer da Bielorrússia um caso de sucesso nas transições democráticas contemporâneas. Seria um exemplo de renovação na prioridade dos valores que nos regem, um exercício de influência pela democratização na Europa, a acomodação entusiástica de uma geração com tremendas expectativas pela liberdade e o início de um possível diálogo com Moscovo que também pudesse servir de inspiração às ansiedades democráticas que por lá se encontram.

Obrigado, Svetlana Tikhanovskaya, por seres uma líder tão inspiradora. Muita coragem.


Investigador

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