Coragem para fazer na área da Saúde
A saúde foi tema omnipresente durante os dois anos mais intensos de combate à pandemia, com os profissionais de saúde a enfrentarem uma realidade nova, desconhecida e tremendamente exigente. Assim, hoje, segundo o "site" estatístico Our World in Data, Portugal é o país da União Europeia com mais novos casos de infeção por SARS-CoV-2 por milhão de habitantes nos últimos sete dias e o segundo no mundo neste indicador, dados estes que nos deixam fortemente apreensivos.
O reforço da comunicação e as constantes alterações no atendimento da Linha SNS24 devem ser continuamente monitorizados e aprimorados. As queixas relativamente ao atendimento, a demora que muitas vezes lhe está subjacente no que se refere ao encaminhamento de utentes para os serviços de saúde, tornando-os mais um foco de potencial infeção, impelem-nos a ponderar se os testes gratuitos disponibilizados nas farmácias não conseguiriam aliviar os nossos serviços de saúde públicos e dar uma maior fluidez ao SNS24, um serviço que muito tem feito no combate a esta pandemia. Isto não esquecendo aquela que é a preparação da vacinação, nomeadamente no que às doses de reforço dizem respeito, sendo por demais evidente a importância de um agendamento e calendarização devidamente atempados e coordenados de forma a podermos fazer face a eventuais contrariedades que podem sempre surgir.
Mas não podemos voltar a descurar a saúde dos portugueses no que toca ao seu acompanhamento, às cirurgias programadas, ao acesso dos doentes aos cuidados de saúde (o grande problema com que temos de lidar) e ao retomar do muito tempo perdido no foco exclusivo que foi dedicado ao combate a este vírus.
As reformas que se impõem no nosso sistema de saúde são por demais evidentes e o que se verifica é que os autarcas querem fazer parte desse projeto de mudança, numa reforma que é essencial para o futuro do nosso país e que precisamos, mesmo que corra bem, de que exemplo paradigmático a descentralização de competências.
Ainda recentemente, personalidades com pergaminhos na área da saúde têm lançado esse apelo para que se possam debater e implementar reformas que possam melhorar o nosso sistema de saúde. Desde o Projeto "Transformar o SNS - 10 teses para a mudança", promovido pela Fundação para a Saúde - SNS, ao livro coordenado pelo Professor Adalberto Campos Fernandes "Saúde em Portugal - Pensar o Futuro", ao Fórum Saúde XXI e à Convenção Nacional da Saúde, verificamos que temos participação ativa destas pessoas com relevo e estatuto na área a pensar o sistema de saúde, a deixar a fase do diagnóstico (mais que discutido e assinalado) e a lançar propostas efetivas e claras. Deixemos de estar presos a uma situação de inércia, em redor de assuntos que estão longe de ser a discussão que realmente interessa, aliás como bem referiu recentemente, em artigo de opinião, o ex-secretário de Estado Fernando Araújo quando se referia à medida do fim das taxas moderadoras.
Uma cultura de exigência e de reconhecimento tem imperiosamente de ser implementada e estabelecida. Precisamos de um fio condutor, de uma linha clara para as diversas áreas da saúde. Os sucessivos e recorrentes adiamentos na supressão de lacunas, na ultrapassagem dos óbices, em suma, a inexistência de uma profunda reforma do sistema, não mais poderão ser justificados pela pandemia. Esta deixará de poder ser usada como desculpa. Não podemos desperdiçar o PRR, que surge e está disponível precisamente devido às graves consequências do combate à pandemia, um instrumento que pode e deve ser usado para resolver os reais problemas no nosso SNS como o são o financiamento, a gestão, o investimento, os recursos humanos e o acesso.
Tomemos em consideração muitos dos ensinamentos decorridos destes anos e debrucemo-nos nos problemas do presente gizando propostas que visem melhorar o futuro de todos, não deixando ninguém para trás. Num contexto político favorável, com uma maioria absoluta, o governo tem de assumir essa responsabilidade, tem de dialogar com quem queira realmente efetivar essa mudança visando um Serviço de Saúde moderno, num diálogo profícuo com os profissionais e as instituições que os representam e com a coragem de agir e concretizar.
Não podemos ter um PRR que está a ser utilizado em muitos casos para a implementação de medidas e projetos idealizados para há uns anos, já completamente desajustados da realidade em que vivemos. Orientemo-lo para os reais problemas das pessoas, para um futuro que revitalize definitivamente não só o nosso SNS, mas o nosso Sistema de Saúde.
Médico dentista