Cooperar em tempos de pandemia: a ajuda alemã a Itália e França
No final do mês de março, as Bundeswehr [Forças Armadas] alemãs transportaram por via aérea vários doentes graves com Covid-19 a necessitar de cuidados intensivos, a partir de Itália e de França, para a Alemanha, distribuindo-os pelos hospitais das Bundeswehr (são cinco e localizam-se em Berlim, Hamburgo, Ulm, Koblenz e Westerstede) e pelos hospitais civis. O transporte aéreo verificou-se com recurso a duas aeronaves, o Airbus A400M e o Airbus A310, cada qual equipada com uma estação de cuidados intensivos.
Sob a perspetiva de que "wir in Zeiten gröβter Not unseren Freunden zur Seite stehen"["Estamos do lado dos nossos amigos em tempos de maior necessidade"], conforme sublinhado pela Ministra da Defesa alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer, esta ajuda aos vizinhos europeus, Itália e França, insere-se no âmbito da missão das Bundeswehr em tempos de pandemia.
Por outro lado, quando a Alemanha participa em operações internacionais uma das atividades que costuma realizar consiste no transporte e na ajuda médico-sanitária, à semelhança do que está a acontecer com estes seus dois Estados aliados. Note-se que o envolvimento das Bundeswehr desde a reunificação é essencialmente defensivo (mesmo nas operações mais ofensivas), desempenhando sobretudo um papel de apoio.
Quer a Itália quer a França encontram-se entre os maiores destinos das exportações alemãs e do investimento direto alemão em espaço europeu. Apesar de a Itália não partilhar fronteiras com a Alemanha é, tal como a França (que partilha fronteiras com a Alemanha), parte do núcleo fundador da União Europeia e integra a Zona Euro. Tratam-se, portanto, de dois Estados com os quais a Alemanha tem um importante envolvimento económico-financeiro, mas também cultural, manifestando-se este último no facto da presença do Goethe-Institut, instituição oficial de promoção da língua e cultura alemãs no mundo, ser também considerável nestes. Adicionalmente, a Itália e a França são Estados fundadores da NATO, organização internacional que se constitui, para a Alemanha, como "das wichtigste Bezugssystem deutscher Sicherheits- und Verteidigungspolitik" ["o mais importante sistema de referência da política de segurança e defesa alemã"], de acordo com Gareis (2006).
De facto, foi nas Verteidingungspolitischen Richtlinien [Diretivas da Política de Defesa] de 2011, o equivalente ao Conceito Estratégico de Segurança e Defesa, atualmente em vigor que a Alemanha considerou pela primeira vez as epidemias e as pandemias como uma ameaça à segurança alemã como resultado da Globalização.
Nesse mesmo documento, garantir a sua segurança nacional e a dos seus aliados encontra-se entre os interesses e objetivos de política securitária da Alemanha, para os quais esta poderá recorrer ao emprego das Bundeswehr, tal como está a fazer neste caso no contexto da pandemia Covid-19. Sublinhe-se o facto das Verteidingungspolitischen Richtlinien de 2011 referirem que os interesses securitários da Alemanha resultam da sua história, posição geográfica no centro da Europa, das relações internacionais políticas e económicas, e da dependência de recursos enquanto centro de alta tecnologia e nação exportadora.
As pandemias são transfronteiriças e têm um impacto global, sendo capazes de destruir sociedades, destabilizar Estados e prejudicar as relações económicas internacionais. Daí que a Alemanha entenda a saúde global como parte da sua política externa (e securitária), defendendo a este respeito a necessidade de cooperação internacional.
Tratando-se a Alemanha do Estado europeu a partilhar fronteiras com o maior número de Estados, com os quais mantém relações amigáveis, e constituindo-se esta pandemia como uma ameaça global, o tal inimigo invisível e comum que é este vírus, há todo o interesse em cooperar com/ajudar estes dois aliados até porque são dois Estados com os quais mantém importantes relações económicas e culturais e a ação estratégia alemã é na atualidade tendencialmente económica e cultural, encontrando-se o interesse nacional alemão primeiramente na questão económica e na salvaguarda do seu lugar de Exportnation [Nação Exportadora]. Cooperar/ajudar os aliados nesta situação de ameaça à sua segurança é, de igual modo, essencial para garantir a segurança alemã num mundo que é global.
Como salientado pelo Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, em meados de março:,, Wir können das Virus als Weltgemeinschaft nur gemeinsam besiegen. Viren haben keine Staatsangehörigkeit. Genauso wird das Gegenmittel keine Staatsangehörigkeit haben. Wir müssen jetzt als Europäer zusammenhalten. Wir haben es in der Hand, ob Solidarität (...) gewinnt - oder aber der Egoismus des Jeder-für-sich."["Apenas podemos vencer o vírus juntos enquanto comunidade global. Os vírus não têm nacionalidade. Do mesmo modo, o antídoto não terá nenhuma nacionalidade. Temos de nos manter agora juntos como europeus. Depende de nós se vence a solidariedade (...) ou o egoísmo de cada um por si"].
Doutora em Estudos Estratégicos pela Universidade de Lisboa
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa