Convento Corpus Christi em Gaia acolhe peça participativa sobre o correio

O espetáculo "Correo", da chilena Paula Aros Gho, estreia-se hoje em Portugal no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, em que a participação do público é necessária para uma reflexão sobre comunicação e relações interpessoais.
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Integrado na programação do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), que este ano conta com dois espetáculos 'fora de época', depois de ter decorrido entre 12 e 22 de junho, a obra, estreada em 2016 no Chile e já apresentada também em Espanha, tem récitas marcadas para as 21:30 de hoje e sábado, contando ainda com uma oficina sobre o género epistolar de escrita como atividade paralela.

Depois de ter começado a carreira a retomar "um trabalho de teatro radiofónico", uma tradição menos ativa no Chile, Aros Gho quis voltar a encontrar algo do passado que pudesse dialogar com o presente.

"Apareceu-me o correio, as cartas, e a sensação de nostalgia em relação a algo que já não se usa tanto. Sobretudo, porque hoje faz muito mais sentido olhar para isso, com a entrada impressionante dos meios de comunicação instantâneos e massivos", explicou.

A investigação "muito grande sobre cartas de política, amor, viagens, arte, amizade ou família, da antiguidade até aos tempos atuais", levou a equipa criativa a estudar o próprio género epistolar, além da própria história do correio, quando se deram conta "da importância que tinha uma carta chegar ou não chegar" na vida de uma pessoa ou de um país inteiro.

A peça começa como uma conferência, em que os atores "sabem que aquele público existe e interagem com ele" e contém, na apresentação de cartas e de outros elementos teatrais, pontos específicos ao local onde está a ser encenada.

Os áudios "estão todos gravados em português", mas a equipa criativa debateu-se com a dúvida entre "ler e escrever as cartas em espanhol ou português", mesmo que alguns elementos sejam específicos à realidade portuguesa.

O medo do público "é um risco que se assumiu", explicou, e há uma tentativa de o reduzir "ao seduzir a plateia, convidá-la para tomar chá", mesmo que as pessoas também possam dizer não, mesmo que isso faça com que "percam um pouco o ritmo" da peça.

A participação do público é indispensável, explica a diretora artística, pela "estética" desenvolvida, e para permitir também "convocar e cativar o espetador, fazer com que vivam através de uma ação o que lhes está a ser proposto".

"Uso ações de participação durante o espetáculo, mas quero sempre que sejam o menos invasivas possível. Não peço a alguém que se chegue à frente, quero antes integrar o público no conteúdo da obra. Assim, pareceu-me que o ato de escrever uma carta era perfeito, porque é uma ação", explicou a criadora.

Durante a peça, e além de serem lidas várias cartas reais de pessoas como Fidel Castro, José Saramago ou Albert Einstein, cada membro da plateia terá de colaborar num exercício colaborativo, em que "se escreve uma carta ao primeiro-ministro do país onde se estiver", antes de dois outros momentos "mais íntimos".

O que se passa em cena - "em tempos muito teatral e noutros mais pela performance" - foi sendo montado à base da improvisação, "vendo o que funciona melhor", ainda que o principal ponto de discussão fosse o nível de participação requerida do público.

"O género epistolar tem um caráter muito íntimo, escrevem-se cartas para que sejam lidas por uma pessoa, não muitas. Como é que posso entrar na intimidade das pessoas sem a violentar?", questionou.

Depois do exercício coletivo, inspirado "numa carta de Fidel Castro com 12 anos, ao presidente Roosevelt, em que lhe pede uma nota de dez dólares", o público é encarregado de escrever uma carta a si mesmo "para daqui a um ano", sendo que a equipa de "Correo" se encarrega de enviar essa missiva para os espetadores precisamente um ano depois.

"Esse ato foi o que mais eco provocou na obra, porque as cartas chegam mesmo, e é impactante para as pessoas. Esquecem-se do que escreveram, da própria carta, e de repente ela entra-lhes porta dentro", contou.

No final do espetáculo, os atores deixam ao público "um papel em branco, que cada pessoa leva para casa", para que cada membro da plateia possa "escrever uma carta de amor que nunca escreveu, se a tiver", antes de completar "os três atos, escrever, enviar e receber".

"Convidei os atores a escrever ao público, para aquele público, e não um documento geral. É um ato bem difícil de conseguir, então escrevem só 30 cartas, todas personalizadas. Olho para ti e começo a escrever. É um exercício muito interessante", comentou.

No sábado, a equipa de "Correo", que é interpretado por Sergio Gilabert, Muriel Miranda, Patricio Yovane e Daniela Jofré, orienta uma oficina de escrita de cartas, pelas 15:30, na qual todos são convidados a escrever sobre uma "memória num espaço da cidade onde vivam", da qual será escolhida uma "para ler na apresentação da noite".

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