Imigração controlada: o denominador comum da extrema-direita europeia

O politólogo Riccardo Marchi e o historiador Manuel Loff traçam ao DN um retrato da direita radical e analisam a posição do Chega: ganhar votos com a maior rapidez para consolidar o partido e chegar ao poder.
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Na semana em que o líder do Chega, André Ventura, garantiu que o partido não vai viabilizar "nenhum governo" em que as suas propostas "que foram votadas não estejam equacionadas" na solução final, a União Europeia chegou a um consenso, contestado nos extremos políticos, sobre migrações e controlo das fronteiras. Com França a apertar o cerco aos imigrantes ao aprovar nova legislação, o Chega renasce em Portugal como "puro produto de importação ideológica" ao trazer "o discurso da imigração dos refugiados e da preferência nacional da Europa", destaca ao DN o historiador da Universidade do Porto Manuel Loff.

"Não há extrema-direita que não seja racista, não há extrema-direita que não seja xenófoba, porque é intrínseco", sutenta o historiador. "Mas toda a xenofobia e todo o racismo é de extrema-direita?", questiona Manuel Loff, de forma retórica. "Não, mas o inverso é que tem que ser sublinhado no sentido de não se posicionar nenhum partido na extrema-direita, ou naquilo a que chamam de direita radical, sem assumir evidentemente uma atitude de natureza racista e xenófoba".

A política de proteção de fronteiras, com todas as formas que possa assumir nos vários discursos políticos, tem estado presente nas posições de vários chefes de governos europeus, como Viktor Órban, na Hungria, Giorgia Meloni, em Itália e, mais recentemente, de Geert Wilders, nos Países Baixos.

Ao DN, o investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) Riccardo Marchi explicou que "o Chega tem uma posição que não é particularmente original" em relação aos imigrantes. "É a posição dos partidos populistas de direita radical europeus, ou seja, de políticas europeias de controlo das fronteiras externas da Europa". De acordo com Riccardo Marchi, esta posição de vários partidos europeus corresponde a uma "mudança de paradigma". "Até agora, a Europa discutiu muito sobre o dever de cada Estado-membro aceitar a distribuição dos migrantes, portanto, cada Estado devia assumir a responsabilidade de receber uma parte dos migrantes que chegavam principalmente da fronteira sul da Europa, num sentido de solidariedade com os outros Estados-membros, e a direita radical sempre quis mudar o paradigma", explica o especialista em movimentos de direita radical. "Mas aqui temos que falar de políticas que bloqueiam a entrada de imigrantes ilegais na Europa. Portanto, as políticas devem ser aquelas de defesa das fronteiras externas. E isto foi sempre a posição também do Chega", conclui.

Com a justificação de tentar impedir a ascenção da extrema-direita em França, o presidente francês Emmanuel Macron afirmou a meio desta semana que a nova lei da imigração, com políticas restritivas à entrada de estrangeiros, resolve os problemas que alimentam os discursos extremistas de direita. Ainda assim, Macron assumiu que há "um problema de imigração" apesar de o país não estar "esmagado pela imigração". Com este diploma aprovado, a líder do partido Rassemblement National (Reunião Nacional, numa tradução livre do francês), de extrema-direita, Marine Le Pen, veio reivindicar uma "vitória ideológica".

André Ventura reuniu-se com Marine Le Pen em novembro, em Lisboa, no âmbito de um encontro do grupo do Parlamento Europeu Identidade e Democracia (ao qual está ligado o Chega). É de sublinhar que Marine Le Pen distancia-se de Ventura no que diz respeito às sanções contra a Rússia pela invasão da Ucrânia. Enquanto Le Pen apoia Putin, Ventura tem estado ao lado da posição ucraniana desde o primeiro momento.

O primeiro-ministro da hungria, Viktor Órban, mostrou-se alarmado, a meio desta semana, com o "mal que está a corroer as democracias ocidentais", aludindo à decisão do Supremo Tribunal do Colorado, que determinou que o potencial candidato republicano à corrida eleitoral à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, é ineligível devido ao seu envolvimento na invasão do Capitólio (sede do Congresso norte-americano) em janeiro de 2021.

Em maio, André Ventura encontrou-se com Órban e falaram "sobre as eleições europeias, o futuro da direita e da União Europeia", escreveu o líder do Chega na rede social X (antigo Twitter).

O pacto para as migrações, assinado esta semana na União Europeia, implica que o princípio da "solidariedade e distribuição justa de responsabilidades entre os Estados-membros seja determinado por legislação europeia vinculativa", explicou o presidente da Comissão Parlamentar Europeia de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos, Juan Fernando López Aguilar. Em reação, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria destacou a necessidade de rejeitar "este pacto de migração tão decisivamente quanto possível". "Ninguém pode determinar quem pode entrar na Hungria, apenas nós", concluiu, afirmando a sua posição afinada com outros partidos de extrema-direita na Europa.

"André Ventura é, em primeiro lugar, um político extremamente pragmático, que tem uma vontade muito forte de chegar ao poder", explicou ao DN Riccardo Marchi, acrescentando que o líder do Chega "quer chegar ao poder para mudar as coisas". "Não é um político que fica contente com um lugar de líder da oposição ou líder das massas em protestos em Portugal", conclui.

A urgência que André Ventura tem de chegar a uma solução governativa em Portugal é vista pelo historiador Manuel Loff como uma necessidade que o líder do Chega tem de "justificar aos seus eleitores o voto que fizeram".

vitor.cordeiro@dn.pt

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