Contra os que sempre passaram à frente

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José Saramago acabava de fazer uma conferência na Biblioteca Nacional de Espanha e veio conversar com muitos dos que o esperavam à porta. Alguns dos que ali estavam queriam continuar a ouvi-lo falar sobre os tempos da resistência à ditadura, daqueles tempos em que era preciso ser ágil e criativo para lutar contra os donos de um regime autoritário e repressivo e, ao mesmo tempo, conseguir evitar cair em armadilhas ou ir parar à prisão. Saramago, por incrível que pareça, recordava esses tempos com alguma nostalgia e argumentava que os jovens de hoje (isto passou-se há uns sete anos) não sabiam o que tinha sido viver dias obscuros e de privação de liberdade e que, por isso, não davam qualquer valor à sua conquista. Uns abanavam a cabeça em sinal de concordância, mas outros, os mais jovens, diziam não perceber porque é que tinham de dar valor a algo que já fazia parte da sua realidade quando nasceram. Se não tinham de lutar pela liberdade, ainda bem. Era sinal de que os tempos eram outros e as prioridades também.

Mas quais são as prioridades de hoje? O que é que o País e a sociedade têm para oferecer a estes jovens que nasceram depois da revolução? Esta é a pergunta para a qual não existe uma resposta e que leva a geração dita "à rasca" a começar a ensaiar uma onda de protestos. Já não era sem tempo. É bom verificar que há gente que percebe o que se está a passar e que reage. Afinal a juventude não é amorfa, comunica entre ela e está disposta a lutar para que algo mude. Se não o faz pela liberdade já conquistada, fá-lo pela liberdade de ter uma oportunidade de reconhecimento e de trabalho.

Estamos a viver tempos de insatisfação crescente. As perspectivas sobre a situação económica não são as melhores e há reformas que vão ter de ser feitas para que Portugal possa continuar a manter o mínimo de credibilidade junto dos seus parceiros europeus. O desemprego vai aumentar, os cortes nos salários vieram para ficar e os portugueses vão ter de se habituar a sobreviver com muito menos. Terá de haver uma mudança de vida profunda, e já ninguém terá paciência para ser cúmplice de um regime que premeia os amigos e os conhecidos em detrimento dos que tiveram de fazer o caminho à sua própria custa. Ao contrário do que muitos pensam, esta revolta dos jovens de hoje talvez seja a primeira depois do 25 de Abril que tem pés e cabeça.

É um alerta que chega das bases de um País que está farto de casos como o de Armando Vara, que, na sexta-feira, passou à frente de todos os utentes do Centro de Saúde de Alvalade para que a médica de serviço lhe passasse um atestado...

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