Contra as mochilas pesadas nas escolas, assinar, assinar
Catarina tem apenas mais um ano do que os quilos que carrega às costas para cumprir o seu dever de estudante. Tem 10 anos e, habitualmente, a sua mochila pesa nove. Mede 1,35 metros e tem 30 quilos.
"Não dá para deixar os livros todos no cacifo porque tenho sempre milhentos trabalhos de casa ou testes todos seguidos. A minha mãe ajuda-me sempre a carregar a mochila quando me vai buscar. Para os rapazes é mais fácil mas eu sou muito fraquinha", conta Catarina Sousa, exibindo um sorriso e o orgulho de quem frequenta o 5.º ano, neste caso no Liceu Filipa de Lencastre, em Lisboa.
O excessivo peso das mochilas escolares não é uma realidade de agora . Há mais de uma década que os alertas são dados, as campanhas repetem-se e os estudos comprovam os malefícios de tanta carga que as crianças têm de suportar. Para não passar de mais um alerta, um grupo heterogéneo (composto por um ator, uma jornalista, dois médicos e algumas associações ligadas à medicina) decidiu lançar uma petição: "Contra o peso excessivo das mochilas escolares" e em apenas três semanas já reuniram cerca de 15 mil assinaturas. Um número que permite levar a petição ao Parlamento (o limite mínimo são quatro mil assinaturas), mas os signatários pretendem mais do que isso: "Queremos atingir as 20 mil para obrigar o Parlamento a legislar sobre o assunto", explica ao DN o ator e encenador José Wallenstein, um dos primeiros signatários.
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As queixas são transversais às escolas e aos anos escolares. "Os dias piores são quando tem de trazer os manuais escolares das disciplinas todas para fazer os trabalhos de casa, mais a lancheira diária, livros da biblioteca ou mesmo o dicionário que anda sempre para trás e para a frente", queixa-se Inês Novais, mãe de Luísa, de 8 anos.
"Se calhar deveria haver mais bom senso por parte das escolas para coordenarem melhor esta carga toda", remata a mãe preocupada já que ainda tem mais uma filha de 5 anos e um enteado de 13. "No caso do Francisco, o meu marido chega a levá-lo à porta da casa aqui ao lado."
Luísa, que frequenta a Escola Básica dos Coruchéus, em Alvalade, pesa 17 quilos e a sua mochila cor-de-rosa, por norma, transporta quatro de material de estudo.
"A minha filha consegue carregar tudo mas acho que isto não faz sentido nenhum! Há dias em que são duas mochilas, mais a lancheira, bolsa com telemóvel e chaves de casa, equipamento de ginástica e de voleibol!", explica Maria Calais Pedro, mãe de Beatriz de 13 anos.
A adolescente tem 58 quilos e 1,65 metros mas carrega uma mochila com oito quilos. Maria é ainda mãe de mais três raparigas com 11, 8 e 3 anos e por isso espera que esta petição sirva para mudar o estado das coisas. "Eu sinceramente acho que só se devia trazer para casa o que realmente precisa... porque isto é um horror para estragar as costas!"
Segundo um estudo realizado pela Associação de Defesa do Consumidor (Deco) e a revista Proteste, mais de metade das crianças dos 5.º e 6.º anos de escolaridade transportam peso a mais nas suas mochilas escolares. Foram pesadas 360 crianças e as respetivas mochilas escolares, em 14 escolas públicas e privadas. O estudo revelou que 53% das crianças que participaram no trabalho transportavam mochilas com uma carga acima do recomendável pela Organização Mundial da Saúde, isto é, superior a 10% do seu próprio peso. A situação mais dramática, refere a mesma publicação, foi verificada no caso de uma criança de 11 anos, que com 32 quilos transportava uma mochila de dez. Quando o ideal seria que esta criança não carregasse mais de 3,2 quilos.
O mesmo estudo indica que 61% dos estudantes com 10 anos transportavam cargas excessivas, o mesmo acontecendo a 44% com 12 anos. Independentemente da idade dos alunos, o estudo acrescentou que a percentagem de mochilas com peso a mais era maior nas escolas privadas do que nas públicas.
Segundo José Wallenstein "está provado cientificamente que tanto peso traz problemas à postura das crianças e adolescentes... os políticos têm de se responsabilizar". Os signatários da petição acreditam que com esta iniciativa a classe política acorde. "As crianças são os profissionais de amanhã. As crianças que transportam hoje mochilas muito pesadas começam cedo a ter problemas de coluna, sendo alguns dos mais conhecidos a hiperlordose lombar, a hipercifose torácica, a escoliose, as hérnias discais, entre outras ocorrências", diz o texto da petição.
"Quantos mais estudos precisam de ser feitos? Quantas mais evidências científicas serão necessárias? Quantos mais problemas de saúde as crianças têm de desenvolver? Quantas mais campanhas terão de ser implementadas? Quantos mais planos ficarão no papel?", interrogam-se os signatários.
Manuel Castro, de 12 anos, tem 48 quilos e 1,45 metros. Deveria carregar, segundo os conselhos da OMS, uma mochila com limite até 4,8 quilos. Mas na verdade todos os dias são cerca de 8,5 quilos que leva às costas. "Eu faço um caminho de casa até à escola de 15 minutos e confesso que nos dias que vou cheio de sono me canso imenso... Queixo-me à professora encarregada de turma mas nada acontece." E este caso passa-se num colégio de Lisboa com uma das mensalidades mais caras da capital. Joana Dias, mãe de Benedita, com 6 anos, lembra-se do choque que teve quando, no segundo dia de aulas em que a filha se estreava no 5.º ano, resolveu arrumar a mochila com todos os manuais escolares e cadernos. "Parecia que ia de viagem durante uma semana!", queixa-se a mãe, que aplaude uma das soluções sugeridas pelo grupo de peticionários: "Eu sei que estamos a mexer com interesses muito poderosos chamados editoras, mas talvez a solução passasse por fazer livros mais simples, sintéticos e mais leves." Que se façam livros e manuais escolares com papel mais fino ou divididos em fascículos retiráveis e mais sintéticos é uma das propostas da petição.