Contra a Covid e a Gripe vacinar, vacinar!

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"O componente mais importante de todas as vacinas é a confiança"

(Barry Bloom, Harvard School of Public Health)

Hoje, dia 29 de Setembro, marca-se o início da campanha de vacinação contra a COVID-19 e a gripe para a temporada Outono/Inverno de 2023-2024. Esta campanha representa um momento histórico, uma vez que se trata da primeira a decorrer após o término da pandemia, sinalizando o êxito das vacinas no combate a uma ameaça global. Esse êxito é inequivocamente comprovado pelo facto de que, ao longo dos últimos três anos de pandemia, foram administradas mais de 13 bilhões de doses de vacinas, estimando-se que, apenas no primeiro ano de sua utilização, tenham salvo mais de 20 milhões de vidas - assim se dissipando quaisquer dúvidas ou críticas quanto à sua utilidade e segurança.

Apesar do fim da pandemia, o SARS-CoV-2 e a COVID-19 ainda perduram na nossa sociedade, sob a forma, respectivamente, de vírus e de doença. É desejável e esperado que este novo vírus siga um padrão sazonal, semelhante ao vírus da gripe, manifestando-se principalmente nos meses mais frios. No entanto, lamentavelmente, a actividade observada por SARS-CoV-2 durante o Verão, com uma média diária de 10 óbitos nas últimas semanas em Portugal, indica que o novo vírus ainda não adquiriu um carácter sazonal. Na verdade, o seu impacto clínico e epidemiológico continua a ser imprevisível e incerto, reforçando a necessidade contínua de adoptarmos medidas preventivas.

A prevenção sempre foi crucial, mesmo antes do surgimento da COVID-19. A nível mundial a gripe causa anualmente 400.000 mortes números que têm vindo a ser reduzidos, significativamente, por meio de melhorias na higiene, nos cuidados de saúde e, sobretudo, na vacinação (ourworldindata.org). Em Portugal, que tem vindo a aumentar as taxas de cobertura vacinal, no período entre 2008 e 2018, a gripe sazonal foi responsável por um excesso médio anual de 2.300 óbitos (Estudo BARI). A verdade é que nos países mais desenvolvidos, a gripe é a infecção associada a maior carga de doença e, notavelmente, a principal doença em adultos prevenível por meio da vacinação.

Hoje, a vacinação conjunta contra a COVID-19 e a gripe, implementada que foi durante a pandemia com excelentes índices de adesão, emerge como uma das medidas mais importantes em saúde pública. Por um lado, desempenha um papel fundamental na luta contra as duas principais infecções respiratórias que afectam a nação, ajudando a mitigar as consequências tanto a nível individual como comunitário, não se podendo subestimar, por outro lado, o seu impacto extremamente positivo na sustentabilidade dos serviços de saúde.

As novas vacinas foram adaptadas às actuais variantes dos vírus e, no caso da COVID-19, encontram a sua base na linhagem XBB.1.5, da qual derivam as sublinhagens em circulação. Estas vacinas possuem um histórico de milhões de administrações, sendo que somente em Portugal foram utilizadas mais de 28 milhões de vezes desde 27 de Dezembro de 2020. A sua aprovação pelas rigorosas agências reguladoras de medicamentos cumpriu todos os requisitos e procedimentos aplicados a outros medicamentos comuns (como analgésicos ou anti-hipertensores, por exemplo).

Na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), onde estão sediadas as duas principais entidades reguladoras (EMA e FDA), as novas vacinas foram aprovadas e autorizadas para adultos e crianças a partir dos 6 meses de idade, sem restrições. Ou seja, são consideradas úteis e seguras para todos, mas apresentam maior benefício em determinados grupos prioritários. Embora as indicações para a vacinação sejam semelhantes em diferentes países, elas não são idênticas devido à quantidade de vacinas disponíveis, às características das variantes virais em circulação, ao nível de imunidade na comunidade e à avaliação clínica, epidemiológica e organizacional local.

Se nos EUA, que têm uma produção de vacinas auto-suficiente, a vacinação é oferecida a todas as pessoas a partir dos 6 meses de idade, em Portugal, a elegibilidade é alicerçada em critérios de prioridade, incluindo (i) pessoas com 60 anos ou mais, (ii) grávidas, (iii) pessoas dos 5 aos 59 anos com condições de risco, (iv) profissionais de saúde e (v) residentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas e instituições semelhantes. As condições de risco englobam, entre outras, as doenças crónicas, neoplásicas, auto-imunes bem como os

pacientes transplantados ou sob imunossupressão. Todas as vacinas em Portugal são disponibilizadas exclusivamente pelo Estado, seguindo critérios estabelecidos pela Direção-Geral da Saúde, e não podem ser adquiridas mediante prescrição médica. Nos adultos, o intervalo mínimo entre doses anteriores ou infecção prévia é de 3 meses.

A Suécia, exemplo de literacia e sobretudo de confiança da população nas autoridades de saúde, enfatiza, em recomendações de 7 de Setembro de 2023, a responsabilidade de todos na prevenção da disseminação da COVID-19, destacando a forte protecção proporcionada pela vacina. A vacinação é recomendada para todos os adultos com idade igual ou superior a 50 anos e entre 18 e 49 anos na presença de factores de risco. Nas crianças com menos de 18 anos, as autoridades de saúde suecas esclarecem que a doença grave é rara (com as actuais variantes), mas a vacinação é oferecida na presença de critérios de gravidade.

No nosso país, a grande novidade consiste na vacinação em farmácias comunitárias para pessoas com 60 anos ou mais que tenham, pelo menos, o esquema vacinal primário e uma vacina de RNA, sem registo de reacções adversas graves. A ausência de tais reacções após uma toma de vacina RNA é crucial para garantir a segurança da vacinação nas farmácias e para tranquilizar a população.

Em suma, as vacinas representam um marco decisivo no avanço da nossa civilização, reflectindo décadas de pesquisa, desenvolvimento e rigoroso escrutínio de segurança e eficácia. Não se traduzem apenas em ferramentas fundamentais para preservação da saúde individual, desempenhando também um papel essencial no aumento da esperança média de vida e na protecção colectiva da sociedade contra doenças graves.

Neste contexto desafiador, é importante que cada um assuma a responsabilidade de se vacinar, não apenas em nome da saúde do próprio, mas sobretudo por consideração à família, aos amigos, aos colegas e à comunidade em geral. Nós já decidimos: porque a doença não acontece só a terceiros, por nós e pelos outros, dizemos sim à vacinação.

Nota: Os autores não escrevem de acordo com o novo acordo ortográfico.

Filipe Froes é Pneumologista, Ex-Coordenador do Gabinete de Crise para a COVID-19 da Ordem dos Médicos e Membro do Conselho Nacional de Saúde Pública

Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge

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