"Contei a Marcelo a história da minha paixão pelo Boca Juniors"

O River Plate-Boca Juniors deste sábado, que vai decidir o campeão da Libertadores, é o pretexto para esta entrevista com Oscar Moscariello, embaixador argentino em Portugal que foi vice-presidente do Boca e que atualmente é secretário para as relações internacionais do clube.
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A paixão pela equipa dos xeneizes nota-se logo pelo brilho nos olhos e pela forma como Oscar Moscariello recorda os jogos históricos a que assistiu ao vivo e os inúmeros títulos que festejou. Fala com entusiasmo das grandes estrelas como Diego Maradona, Juan Riquelme e Martín Palermo e acredita que, apesar do empate (2-2) na primeira mão da Taça Libertadores, neste sábado o "seu" Boca vai levantar o troféu no Monumental, o estádio do River e palco deste jogo decisivo (20.00, SportTV 5). O amor pelo emblema argentino é tanto, que até Marcelo Rebelo de Sousa quis conhecer a história quando o embaixador apresentou as credenciais ao Presidente da República.

Como é que se torna adepto e ganha toda esta paixão pelo Boca Juniors?

Sigo o Boca desde criança e muito devido à relação que tinha com o meu pai. As melhores recordações associadas ao meu pai estão relacionadas com o Boca Juniors. Eu vivia numa pequena localidade do interior da Argentina, em Santa Fé. E para seguirmos o Boca era preciso ter muita força de vontade, porque estávamos a 300 quilómetros do bairro de La Boca. Íamos ver os jogos e depois há uma série de recordações, acontecimentos que eram quase um ritual. O meu pai tinha uma estação de serviço e ali ao lado havia uma churrasqueira onde os adeptos se reuniam em dia de jogos. Tudo isto me aproximou muito do Boca. Isto começou quando eu tinha 7, 8 anos, e durou até o meu pai falecer. Lamentavelmente, o meu pai não assistiu às maiores glórias do Boca, que aconteceram depois da sua morte.

Mas esta paixão prolongou-se depois na juventude e até hoje...

Por questões académicas, fui depois estudar para Buenos Aires e tornei-me um daqueles fanáticos de bancada. Sofria muito nos jogos. Depois vivi todo aquele período áureo da gerência do Mauricio Macri, o atual presidente da República da Argentina, que como líder do Boca transformou o clube por completo do ponto de vista institucional e desportivo. O clube transcendeu fronteiras, tornou-se uma das equipas mais importantes do mundo com triunfos frente a grandes equipas. A nível sul-americano é o clube com mais finais disputadas. Esta vai ser a 11.ª final e o Boca já conquistou seis Taças Libertadores. Jogou também cinco finais da Taça Intercontinental e ganhou três.

Foi vice-presidente do Boca e hoje é secretário das relações internacionais do clube...

Num determinado momento [em 2011] era necessário ajudar à reorganização do clube e passei a ser vice-presidente, com a missão de ajudar a colocar o Boca Juniors como Macri o tinha deixado. Uma organização profissional a vários níveis. Era preciso que o Boca não estivesse dependente financeiramente só das vendas de jogadores. Tinha de ter outras fontes de receitas. E isso foi conseguido. Hoje o Boca é um clube forte desportiva e economicamente. Já não precisa de vender a cada ano os seus melhores ativos. Mas o clube não vive apenas disto. Vive também da paixão que desperta. O que o Boca tem de melhor são os seus sócios e adeptos. É algo que contagia os jogadores dentro do campo. Eles sentem isso.

Este jogo com o River Plate é um dos mais importantes da história do clube?

O Boca vai jogar neste sábado o jogo mais importante e transcendente da Argentina, da América do Sul e também da história da rivalidade entre os dois clubes. Já foram jogados 90 minutos, estamos empatados, e faltam os outros 90 no campo do River Plate. Para o Boca, jogar como visitado ou visitante é indiferente. Só o facto de vestirem aquela camisola significa... como disse uma vez um conhecido jornalista desportivo do meu país, o Boca é o Desportivo Ganhar, não vale outra coisa. Uma final com estas características é rara. Houve meias-finais, mas é a primeira vez que há uma final entre equipas argentinas. Este jogo motivou um forte interesse além-fronteiras. Na partida da primeira mão havia 458 meios internacionais acreditados e mais de 2500 jornalistas. Este é um clássico que desperta curiosidade além-fronteiras. Ainda no outro dia ligou-me um amigo que está em Marrocos a dizer que me tinha visto na televisão a falar do Boca Juniors.

Fala do Boca com uma grande paixão...

Olhe, vou contar-lhe uma história. Em 2016, quando apresentei as minhas credenciais ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, um homem excecional, houve ali um momento que me deixou surpreendido. Naquela cerimónia, naquele momento solene, o vosso presidente quis saber da minha história, como era isto de alguém com percurso académico e político estar também ligado ao futebol. Recordo-me perfeitamente que lhe disse: "Presidente, há coisas do coração que a razão não explica. Simplesmente é isto." Contei-lhe depois toda a minha história da ligação e da minha paixão pelo Boca Juniors desde criança, através do meu pai, a história do clube... Há uma célebre frase que diz que podemos mudar de ideologia, de carro, de mulher e de casa, mas nunca de clube.

Diego Maradona foi uma das grandes figuras do Boca Juniors. Ainda o viu a jogar ao vivo?

Sim, várias vezes. A primeira etapa dele no Boca, em 1981, quando fomos campeões, foi um ano maravilhoso do Diego, um jovem que tinha chegado do Argentinos Juniors. Chegou já com um grande estatuto, pois em 1979 tinha sido campeão do mundo de juniores. Depois do Boca passou para o Barcelona. Creio que nesse ano de 1981, desde o primeiro jogo com o Talleres de Córdoba, vi todos os jogos. Havia um grande entusiasmo em torno da equipa. Lembro-me de que as concentrações do Boca nos hotéis eram uma grande romaria.

Conhece pessoalmente o Maradona?

Sim.

E tem alguma história que recorde com ele?

Sim, há um célebre episódio depois de ele ter sido selecionador argentino. Eu era vice-presidente do Boca Juniors e certo dia um rapaz de uma rádio pediu-me uma entrevista. E eu acedi. Obviamente que se falou do Maradona. Tinha terminado o Mundial da África do Sul e ele perguntou-me o que eu pensava de Maradona. Disse-lhe que, como jogador, tinha sido provavelmente o futebolista que mais alegrias deu ao futebol argentino e, como técnico, tinha cometido alguns erros, como a maioria dos treinadores. Ele depois insistiu e perguntou-me se ele tinha perfil para treinar o Boca. Eu respondi que alguém com o coração na boca como ele podia ser treinador do Boca. Aquilo era uma rádio com pouca expressão na Argentina e qual não foi o meu espanto quando no dia seguinte o Olé, o jornal desportivo mais importante da Argentina, tinha na primeira página uma frase minha a dizer que Maradona podia ser treinador do Boca. Aquilo foi uma verdadeira bomba, até porque o clube tinha treinador na altura. Recordo-me de que o nosso técnico ligou-me a perguntar se havia algum problema. Eu contei-lhe a história com o contexto certo. No mesmo dia à tarde, liga-me um secretário do Maradona a dizer que ele queria falar comigo. O Maradona ligou-me a agradecer os elogios que eu lhe tinha feito, e eu expliquei-lhe o contexto em que tinha dito aquilo. E disse-lhe: "Diego, não sabes a confusão em que me meti." E ele disse-me que ia resolver o problema.

E então como foi resolvida essa confusão?

O Maradona marcou uma conferência de imprensa. E, quando ele chama os jornalistas, aparecem todos, todos mesmo. E assim foi. Ele agradeceu os elogios que lhe fiz, mas disse que o Boca tinha um grande treinador, que ele não estava a pensar ocupar o cargo, que tinha outros planos. E resolveu logo ali o assunto. O Diego sempre foi assim. As coisas bem claras. Ele continua a ser uma referência do desporto em geral.

Qual foi o melhor jogador que viu atuar pelo Boca Juniors?

Felizmente, tive a possibilidade de ver grandes jogadores do Boca atuar. Destaco o Rojitas, que teve uma carreira fulgurante. Os movimentos dele eram excecionais. Depois, claro, o Diego Maradona e o Juan Riquelme. Três grandes jogadores em momentos distintos da história do Boca que eram fenomenais. Era uma alegria vê-los jogar. Era o futebol na sua expressão maior. Era talento, criatividade, tudo junto. As jogadas deles terminavam quase sempre com um colega a marcar golo.

E o jogo entre o Boca e o River que mais o marcou?

Foi um clássico na La Bombonera [em maio de 2000], que marcava o regresso do Martín Palermo depois de uma lesão muito grave. Recordo-me de que nos dias prévios perguntaram ao Carlos Bianchi, que era treinador do Boca, como ele ia formar a equipa. Ele disse logo que o Palermo ia jogar. Aquilo deixou toda a gente de boca aberta, porque ele vinha de uma lesão muito grave, tinha sido operado. Até o treinador do River não acreditava e chegou a dizer que, se o Palermo jogasse, ele também colocava em campo o Enzo Francescoli, grande jogador do River que já tinha abandonado o futebol há alguns anos.

E o que aconteceu de extraordinário nesse jogo?

O Palermo estava no banco e entrou na segunda parte. São estas coisas mágicas que o futebol tem. Ele agarrou na bola, começou a avançar na direção da área... Aquilo parecia um movimento em câmara lenta, os defesas do River iam abrindo e ele marcou um golo. Ainda me emociono quando me recordo deste momento. O Boca ganhou 3-0. Mas há muitos outros. Outro desafio de que me recordo, mas por outros motivos, foi nas meias-finais da Libertadores, no Monumental. Na altura já não eram permitidos adeptos da equipa rival no estádio e eu fui para a tribuna, carregada de adeptos do River. Estava com um amigo. Foi aquele famoso jogo em que o Tévez foi expulso por aquele gesto a imitar uma galinha em que o Boca garantiu um lugar na final da Libertadores no desempate por penáltis. Lembro-me de eu e o meu amigo querermos festejar os golos e não podermos. E então disfarçámos e abraçámo-nos de cabeça baixa como que a lamentar o Boca ter marcado. Era muito perigoso festejar um golo do Boca no estádio do River. Houve quem o tenha feito e arrependeu-se.

Concorda com esta lei dos adeptos não poderem ir apoiar a equipa aos estádios dos rivais?

Há muitos anos houve um incidente que causou vários mortos. E, a partir daí, o governo anterior resolveu proibir os adeptos visitantes nos estádios. Tem tudo que ver com questões de segurança. Nos últimos tempos, estão a fazer-se experiências no sentido de tentar mudar o rumo às coisas e há certos torneios onde os adeptos já podem ir aos estádios dos rivais. O atual presidente da República já disse que garante as condições de segurança, mas isso não foi suficiente para demover os presidentes dos clubes, porque a lei torna responsáveis os organizadores dos eventos desportivos. Então é um problema. Os líderes dos clubes ficaram de pensar, mas para já a lei mantém-se.

Como é o ambiente na La Bombonera?

É uma coisa transcendental. Vivi várias emoções naquele estádio e em momentos diferentes. A energia, a paixão, o colorido das bancadas. A energia passa para os jogadores no campo.

Romário disse uma vez que a La Bombonera era a coisa mais parecida com o inferno que tinha visto. É verdade que o estádio treme?

Sim, vibra, sim, senhor. Há vídeos no YouTube em que isso se vê. Há um vídeo que mostra um adepto brasileiro do Palmeiras e vê-se a Bombonera a vibrar. É um estádio magnífico, que foi construído em 1940. Cada vez que alguém fala na possibilidade de ser construído um novo estádio, mais moderno, transforma-se no inimigo número um. Há uns anos um grupo de investidores propôs-me comprar os terrenos onde está situado o estádio com a possibilidade de construirmos um novo estádio. Tínhamos financiamento e todas as possibilidades de erguer um novo recinto supermoderno sem que isso custasse dinheiro ao Boca. Mas no templo não se toca e, inclusivamente, um grupo de sócios quis pedir a minha expulsão do clube. Eu que apenas queria beneficiar o clube financeiramente. Mas atenção, eu amo a Bombonera. Grande parte da minha vida está naquele estádio.

Recorda algum episódio particular durante a presidência de Mauricio Macri no Boca?

A era do Mauricio Macri no Boca coincidiu com o melhor momento desportivo do clube. Em 12 anos (entre 1995 e 2007) de Macri presidente, o Boca venceu 15 títulos, entre provas internas e internacionais. Naqueles tempos ir ver o Boca ao domingo era ir ver o Boca ganhar. Eram os tempos de Carlos Bianchi e de outros grandes treinadores. Nessa altura, qualquer jogador que entrava na equipa não mexia com nada. Houve um período em que tivemos vários futebolistas importantes lesionados e isso não se notou no rendimento da equipa. Alguns eram miúdos. Qualquer peça encaixava naquela equipa.

E a rivalidade entre o Boca e o River, é tal e qual como se descreve?

Boca e River nasceram no mesmo bairro, em La Boca, Buenos Aires. Depois, através de uma doação de terrenos, o River mudou-se para um bairro mais a norte e construiu ali o seu estádio. Mas a rivalidade permaneceu intacta. Boca-River, Hurácan-San Lorenzo e Independiente-Racing são os grandes clássicos históricos do futebol argentino. Mas nada se compara a um Boca-River. Há uns anos, uma revista fez uma lista de cem coisas que uma pessoa tinha de presenciar antes de morrer. E lá estava um Boca-River na La Bombonera. É espantoso como uma rivalidade de bairro se tornou um atrativo internacional.

O Boca é mais um clube dos pobres e o River mais das classes altas?

Isso é meio mito. O Boca tem é mais raízes sociais. O clube tem uma fundação e, por exemplo, organiza festas solidárias onde há pessoas que são capazes de licitar uma camisola autografada de um jogador por 50 mil dólares. Ou então doar um carro. Nestas festas há grandes artistas que atuam de borla. A generosidade dos sócios e dos adeptos é enorme e tem como objetivo ajudar as crianças do bairro e as escolas.

O que espera deste River-Boca de sábado à noite?

Espero o mesmo de sempre nos jogos do Boca: que façam um grande jogo e consigam levantar a sétima Taça Libertadores da história do clube.

Fez alguma promessa?

Não sou de fazer promessas. Sonho com este jogo há várias semanas. É um desafio difícil por jogarmos e termos de ganhar ao River no seu estádio. Mas, como dizemos no Boca, há que acreditar.

Onde vai ver o jogo?

Em casa, pela televisão, como um verdadeiro tiffosi.

Desde que chegou a Portugal, em 2016, teve oportunidade de voltar à La Bombonera para ver algum jogo do Boca ao vivo?

Sim, várias vezes. Sempre que tenho algum compromisso na Argentina, tento sempre que coincida com jogos do Boca Juniors na La Bombonera para não perder o espírito e a paixão.

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