Constituição e Realidade: a Reforma do Estado
No caso português, a Constituição em vigor foi resultante do 25 de Abril de 1974 e, como tal, refletia a transe revolucionária que se vivia nessa altura.
Essa Constituição, aprovada em 2 de abril de 1976, já foi objeto de sete revisões, sendo a de 1982 a mais profunda, uma vez que se destinou não apenas a diminuir a carga ideológica, mas também a flexibilizar o sistema económico e a alterar a estrutura do Poder.
Foi essa primeira revisão que extinguiu o Conselho da Revolução - órgão que garantia a tutela ou vigilância militar do processo - e criou aquele que o atual Governo parece considerar o seu principal adversário - o Tribunal Constitucional.
Aliás, a intervenção que o Tribunal Constitucional tem vindo a assumir na vida política portuguesa durante a vigência do Governo de Passos Coelho parece aconselhar uma reflexão sobre se a Constituição Portuguesa se mostra adequada à realidade.
A resposta não se apresenta fácil talvez porque a realidade esteja longe de ser única. Depende dos olhos e das ideologias com que é encarada.
No entanto, é bom que se saiba que a revisão de 1982 - tal como as ulteriores - não aboliu todos os resquícios ideológicos caraterísticos do período da guerra fria e do mundo bipolar. Por isso, no preâmbulo, o Estado Novo continua a ser identificado como "regime fascista" e, além disso, é referida a decisão do povo no sentido "de abrir caminho para uma sociedade socialista".
Por outro lado, numa conjuntura em que o país precisa de atrair capital estrangeiro para dinamizar a sua vida económica, talvez convenha saber que, na Parte II - Organização Económica -, o artigo 87.º estabelece que o mesmo deve, designadamente, "defender a independência nacional". Uma forma estranha de captar euros, dólares e libras, para já não falar da participação "efetiva" dos trabalhadores na gestão e da existência de "planos de desenvolvimento económico e social", à boa maneira da Economia de Planificação Central.
Sendo certo que sobre o futuro sabemos melhor o que não desejamos do que o modelo a construir, não é menos verdade que a Constituição tem de se moldar aos tempos. Uma adaptação que nunca agradará a todos, mas terá de respeitar a vontade de grande parte da população. Por isso, a revisão constitucional exige uma maioria qualificada de dois terços dos deputados em efetividade de funções.
Uma tarefa difícil, mas sem a qual não é sério falar de reforma do Estado. Reforma que deve - e pode - ser feita sem o sacrifício do Estado Social. A maior construção europeia, mesmo sem ter sido fruto de qualquer conjuntura revolucionária. Bem pelo contrário!